Carnaval já mexe foliões do Mindelo com 1.200 para desfilar na abertura

Os ensaios dos grupos de Carnaval tomaram conta das noites no Mindelo, antecipando uma festa que como, é da tradição, voltará a ter a Escola de Samba Tropical como porta-estandarte da maior festa cabo-verdiana, com 1.200 foliões.

“É um grupo que tem amantes, tem amigos e tem apoiantes. Esta é a particularidade da Escola de Samba Tropical, não é um grupo que sai para a avenida para ir concorrer, mas sim para fazer uma festa, para comemorar, para celebrar e para abrir o Carnaval”, explicou à Lusa David Leite, presidente do grupo, criado no Mindelo, ilha de São Vicente, em 17 de novembro de 1988.

O objetivo de um grupo de mulheres da cidade foi preencher a “quebra” que registava à segunda-feira, no dia anterior aos desfiles dos grupos que anualmente lutam pela vitória no concurso do Carnaval da ilha, o mais popular de Cabo Verde.

Em fevereiro de 1989 a Escola de Samba Tropical abriria o Carnaval do Mindelo com o primeiro desfile noturno e 300 foliões, tradição que desde então só foi interrompida nos dois anos da pandemia de covid-19.

Tem mesmo a particularidade de atualmente juntar no seu desfile integrantes que no dia seguinte disputam a vitória pelos respetivos grupos concorrentes.

“Todos os mindelenses gostam da Escola de Samba tropical e desfilam na escola num dia à noite e depois desfilam na terça-feira também. É um grupo que tem foliões de todos os bairros de São Vicente”, sublinhou David Leite, arquiteto urbanista de profissão e presidente do grupo há uma década.

“Faz com que as pessoas vão ao desfile da Escola de Samba Tropical com uma alegria diferente, com um rigor diferente. Vão para festejar, para celebrar, não vão para competir”, destaca ainda, depois de novo ensaio para preparar a grande noite da saída.

Aos 50 anos, David Leite é um produto daquele grupo, pelo qual desfilou em 24 carnavais, tendo ainda sido diretor do Carnaval, antes de se tornar presidente: “Desde o primeiro ano que o desfile da Escola de Samba Tropical ficou muito marcado pela beleza, pela cromática noturna. E depois, pronto, acharam que realmente essa segunda-feira devia ser da Escola de Samba Tropical e desde essa altura desfilamos como a abertura oficial do Carnaval”, recorda David Leite.

O grupo pertence mesmo à Liga Independente dos Grupos Oficiais do Carnaval de São Vicente (LIGOC-SV), é considerado como um dos oficiais, mas “a única diferença” é que não ‘corre’ pelos prémios.

Na noite de 20 de fevereiro, segunda-feira, o maior Carnaval de Cabo Verde contará com abertura pela Escola de Samba Tropical, desfilando com 18 segmentos, desde a comissão de frente, porta-bandeira, alas, passistas e até a direção.

Entre o “limite” de 1.200 pessoas a desfilar, o máximo que tecnicamente as artérias do Mindelo comportam para manter a qualidade do mesmo, David Leite explica que cerca de 300 são emigrantes cabo-verdianos que regressam propositadamente, depois de ensaiarem, à distância, nos seus países.

“Vêm organizados em alas específicas. Por exemplo, este ano temos uma ala que vem dos Países Baixos, com cerca de 100 componentes. Temos uma outra ala que vem dos Estados Unidos, mas curiosamente, apesar de estar a ser organizado nos Estados Unidos tem emigrantes de todos os lados, inclusivamente de Angola (…) As outras regiões que não conseguem os emigrantes vêm separadamente e chegando cá são integrados nas alas que eles acharem conveniente”, explicou.

A própria direção do grupo é constituída por emigrantes, relação reforçada desde o Carnaval de 2005: “Tivemos um enredo dedicado à emigração, a 11.ª ilha de Cabo Verde. Dedicamos o Carnaval aos emigrantes, que coincidiu com a abertura do aeroporto internacional de São Vicente, onde houve o primeiro voo internacional. Fizemos uma grande receção aos emigrantes”.

Mas os integrantes do grupo proveniente de fora de São Vicente não são só emigrantes, mas também de “praticamente todas as ilhas” do país, onde os ensaios já entram na fase final.

“A música é divulgada com muita antecedência nas nossas páginas de redes sociais. As coreografias são divulgadas”, explicou.

Depois de dois anos sem Carnaval, em São Vicente multiplicam-se os ensaios noturnos dos vários grupos e a Escola de Samba Tropical não foge à regra, por entre algum nervosismo com o aproximar da grande noite e de um desfile que este ano será dedicado às fundadoras do grupo.

“As pessoas estão ávidas para brincar ao Carnaval, que é uma coisa que eles têm no sangue. Nós trazemos o Carnaval desde criança, convivemos e vivemos o ano inteiro com o Carnaval e parar dois anos com a pandemia foi um golpe enorme no sentimento das pessoas”, recordou ainda o presidente.

A prova é o ritmo de procura por pessoas que querem desfilar, que já supera desde janeiro o limite de 1.200.

“Cria dificuldade na evolução da escola durante o desfile. Portanto, não há interesse nisso e não há interesse em ter mais gente. Mas nós sabemos que vamos ter”, contou ainda.

Contudo, nem tudo corre bem e David Leite admite que a parte financeira, em 2023, “está a ser muito difícil”, contando apenas com cerca de 50% do orçamento de nove milhões de escudos (80 mil euros), garantidos essencialmente pela Câmara de São Vicente e pelo Estado.

“Antigamente, sim, tínhamos as casas comerciais, as empresas, as entidades privadas participavam muito, mas ultimamente não têm participado. E este ano, particularmente em materiais, temos tido muita dificuldade”, explicou, sublinhando que além da subida dos preços, há matérias-primas que simplesmente não se encontram.

“Está tudo extremamente caro e neste momento já temos alerta vermelho da tesouraria do grupo a cortar determinadas coisas que temos no projeto, porque, pronto, temos que fazer um Carnaval bonito, mas também não temos que endividar-nos, ou fica insustentável”.

“Este ano está a ser o Carnaval mais difícil de todos os tempos”, garantiu.

Daí que a opção seja “começar a cortar”, tentando manter a qualidade.

“Diminuir a quantidade de componentes que poderíamos ter, diminuir na parte de alegorias e tentar fazer o Carnaval com os recursos que nós temos, mas nunca desprendendo da qualidade”, lamentou.

Dificuldades à parte, para David Leite há algo que não vai deixar de acontecer neste Carnaval pela mão da Escola de Samba Tropical: “Fazer um grande desfile para encher a cidade e encher o mundo inteiro”.

Lusa

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