Crónica: Uma terça-feira triste na história do Carnaval de São Vicente

Rua de Lisboa, cidade do Mindelo, São Vicente, 14:00 da terça-feira do Carnaval de 2021: lojas, farmácias, bancos e bares abertos, nos passeios as pessoas circulam sem fantasias e na estrada o trânsito flui normalmente.


Num ano “normal”, no dia de hoje, a esta hora, na rua mais central da baixa da cidade, o trânsito estaria cortado, as bancadas apinhadas de gente para assistir ao desfile, o comércio encerrado, ou seja, toda a rua entregue ao Carnaval. O desfile dos blocos já se teria principiado, com o primeiro grupo do dia.

O “anormal” aqui é que a pandemia fez algo até então impensável: deixar as avenidas e ruas do Mindelo sem Carnaval e obrigar as autoridades a cancelar os desfiles, sim, porque são muitos habitualmente ao longo dos quatro dias que antecedem a terça-feira, tudo para evitar a proliferação da covid-19.

 

Nos 100 anos da história do Carnaval do Mindelo, terça-feira foi sempre “o dia” e, nos últimos anos, começa manhã bem cedo com arrumação dos carros alegóricos, na Avenida Marginal, em posição de aceder rapidamente ao palco do desfile.

 

Ali mesmo, os mais atrasados nos acabamentos dão os últimos retoques nos andores. Nos ateliês de costura, como se diz agora, é a azáfama dos últimos minutos para o melhor ‘best’ com os melhores trajes.

 

Enquanto isso, e ainda estamos no período da manhã de um dia de Carnaval “normal”, desde a madrugada que o percurso por onde vai passar o desfile – Avenida Marginal, Rua de Lisboa, Avenida Baltazar Lopes da Silva, Praça Nova e Avenida 5 de Julho – está apinhado de bancos, banquinhos, cadeiras e cartões, quais espantalhos a guardar o lugar para a hora do desfile.

 

Justamente, 14:00, hora habitual da saída do primeiro bloco, enquanto a Inforpress esteve na Rua de Lisboa, hoje, não viu passar os profissionais que pertencem à cadeia produtiva do Carnaval, nem foliões, muitos menos grupos. Apenas “mascarados”, mas de máscaras protectoras da covid-19, sejam elas cirúrgicas ou caseiras.

 

Mas deu para apreciar uma conversa, típica do mindelense, que brinca com tudo e todos, entre dois jovens, daqueles “habitués” da Rua de Lisboa, com um a perguntar ao outro se apreciou o desfile de segunda-feira à noite do Samba Tropical.

 

“Não viste? Deu até na televisão”, provocou, ao que o outro respondeu de pronto, “pois, grande trabalho, foram tão rápidos que às 06:00 da manhã já tinham retirado as bancadas”. O primeiro orador engoliu em seco.

 

Claro está que a narrativa relaciona-se com a transmissão em directo, mas nas redes sociais, que a Escola de Samba Tropical promoveu na noite de segunda-feira, 15, numa espécie ‘making-off’ dos desfiles de anos anteriores e com depoimentos de figuras de destaque do grupo.

 

Mas, dizer que não há sinais do Carnaval na baixa do Mindelo é um pequeno exagero, pois, numa iniciativa inédita, pelas mãos do grupo Vindos do Oriente, algumas montras de lojas, situadas sobretudo ao longo do percurso do desfile, ostentam trajes carnavalescos das figuras de destaque do grupo.

 

Certamente que a não realização da festa traz prejuízos assinaláveis, pois há gente por cá que já trabalha 11 meses a preparar o próximo Carnaval.

 

Um ano sem o bloco na rua significa menos dinheiro no bolso de dezenas de pessoas, entre artesãos, designers, carpinteiros, soldadores, costureiras e serralheiros, entre muitas outras classes.

 

Assunto, se calhar, para uma próxima crónica, esta fecha, como está no título, com um sentimento de tristeza, que deve invadir todo o apreciador deste (o Carnaval) que é considerado o maior teatro de rua do Planeta Terra.

 

Inforpress/Fim

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