
Sábado, 3 de Junho, 2023
A história da editora Sankofa remonta a 2017, quando Vanilson Teixeira, um dos membros fundadores da editora, encontrava-se num processo de reencontro com o passado e partiu primeiro para o Senegal e depois para África do Sul. “A minha paixão foi sempre conhecer o continente africano”, diz o jovem em entrevista ao Balai.
O jovem acabou por descobrir o continente africano, numa perspetiva diferente da realidade que lhe fora transmitida. No âmbito de um trabalho de campo, Vanilson seguiu em viagem para a Mauritânia onde começou a travar conhecimento com a literatura africana. “Na África do Sul dá-se uma grande importância à antropologia. Comecei a ver a importância que eles davam ao Amílcar Cabral, a Cabo Verde, a travar contacto com mais pessoas e a conhecer mais pessoas (…)”.
Esta foi uma oportunidade para Vanilson de saber mais sobre o apartheid e sobre o país onde se encontrava. “Foi um choque. Fui para Joanesburgo (…) entrei num processo de pesquisa profunda, de conhecer vários autores não só africanos, mas que escrevem sobre África, que também trazem um conteúdo importante”.
Nessa altura começou a surgir o primeiro conceito do que seria a Sankofa Editora, com os primeiros rabiscos a serem feitos por Vanilson que começou a pensar de que forma poderia dar o seu contributo para o país.
Quanto ao nome Sankofa, o jovem recorda que travou pela primeira vez conhecimento com o termo ainda aos 17 anos durante uma formação da Fundação Amílcar Cabral. “Mas também há uma outra ligação que é a origem do meu tetravô que era do Gana, descobri durante as minhas pesquisas”.
A expressão Sankofa é representada na simbologia Adinkra (um conjunto de símbolos pertencente ao povo Ashanti, que estavam localizados onde atualmente estão situados países como o Gana, Burkina Faso e Togo) por um pássaro com a cabeça voltada para trás e no bico com um ovo e expressa a importância “de aprender com o passado para construir o presente e o futuro.”
Depois de ter feito parte dos estudos na África do Sul, o jovem, natural da cidade da Praia, regressou a Cabo Verde e foi para o Gana para tentar um encontro com a ancestralidade e “entender a verdadeira essência do povo Ashanti”.
Pouco tempo depois rumou para a Venezuela, onde Vanilson concluiu um Bacharel em Geopolítica do Petróleo sendo que atualmente está a concluir uma licenciatura em Relações Internacionais na Uni-CV. Foi na Venezuela que conheceu a atual esposa que mais tarde viria a integrar a Sankofa.
Por motivos familiares teve de regressar a Cabo Verde e depois deu-se a pandemia. Foi nesta sequência que surge um grupo de estudo, em 2020, integrado por estudantes universitários, que deu origem a vários debates madrugada a dentro seria a génese da Sankofa Editora.
De um grupo de 10 que participaram na fundação da editora, são agora seis, incluindo o Vanilson, os jovens que integram o projeto, sendo que quatro estão em Cabo Verde e os outros dois na diáspora.
O projeto acabou por ser consolidado em 2021, quando a Editora Sankofa foi registada e foram definidos os objetivos, a linha de orientação e publicação onde a prioridade é a literatura cabo-verdiana.
Atualmente, têm um escritório físico em Achada Grande Frente, um espaço com história já que era do falecido Rei da Tabanka de Achada Grande, Pedro de Oliveira, Nho Pedro, e que era avô de Vanilson.
Apresentação e entrega dos prémios Kujiachagulia
A editora Sankofa foi apresentada ao público praiense no dia 2 de setembro, no Palácio da Cultura Ildo Lobo. Nessa data foram premiadas algumas personalidades, com o prémio literário intitulado Kujiachagulia (que significa autodeterminação em suali e representa uma homenagem a Cabo Verde). É o caso de Daniel Medina, enquanto presidente da Academia de Letras, Dany Spínola, presidente da SOCA, ALTAS – Associação literária do Tarrafal, Kwesi Ta-Fari, um historiador brasileiro que abriu uma biblioteca de linha africana em Cabo Verde.
Obras da Sankofa
Em novembro passado, foi apresentada na Venezuela a primeira obra com o selo da Sankofa intitulada “Da Diáspora, Cantos para a Mãe África”, de Obdulia Molina Jara, uma escritora venezuelana, e que será a primeira tradução da editora a ser publicada em 2023.
Segundo um dos fundadores da editora, também este ano, a Sankofa conta publicar uma obra dedicada à poesia, além do lançamento de um livro sobre o falecido Rei da Tabanka de Achada Grande, Pedro de Oliveira, Nho Pedro.
A nível de outras iniciativas está previsto o lançamento de um concurso literário poético a nível das universidades nacionais e cujo objetivo é “fomentar a escrito no meio universitário”.
“O nosso principal objetivo não é criar leitores, mas sim criar escritores (…) levar as pessoas a escrever e para isso é preciso ler. Então, temos vários projetos em carteira que queremos fazer”, explica Vanilson Teixeira e acrescenta que a Sankofa tem feito propostas a escritores nacionais.
Neste mês de janeiro, a editora assina um contrato com um novo escritor, o tarrafalense Mário Loff, que em 2021 lançou a obra “O Rapto da Primeira-dama”.
Investir numa editora
A Sankofa é um investimento próprio de um grupo de jovens, com a média de idades a rondar os 30 anos, e a maioria é desempregada.
“Foi por isso que decidimos criar uma ancora global e trabalhar com outras pessoas que estão fora para termos sustentabilidade e não nos focarmos apenas na publicação e impressão de livros, mas criar outras fontes de renda como a correção ortográfica, paginação, ilustração, tradução. Vivemos num país que é constituído por ilhas que é uma condição de isolamento.”, explica um dos mentores.
Outro desafio mencionado pelo Vanilson é uma lei mais favorável para quem faz a importação de livros. Os livros acabam por chegar cá, mas o problema é depois conseguir fazer o desalfandegamento, diz a mesma fonte.
Para 2023, a editora pretende promover um encontro com as gráficas e editoras nacionais para unir esforços e fazer frente a estas questões.
“O setor literário é primordial para o desenvolvimento de um país”, defende e pede “uma lei mais coerente para o setor literário que ajude a fomentar a troca comercial entre os países”, explicando que publicação de cada livro gera vários postos de trabalho, por exemplo.
O país devia tirar proveito do nome da Sankofa editora para alcançar outros patamares dentro do continente africano.
“Nem digo que é falta de vontade política, digo que é preciso diálogo. Em Cabo Verde, ainda não vemos o setor literário como algo forte”.
Oficialização da língua materna
“A língua é o vínculo de um povo”, argumenta Vanilson Teixeira que explica que a editora é favor da oficialização da língua materna desde que “haja um trabalho de base bem feito”, até porque uma editora tem de trabalhar com a correção de livros.
“É preciso criarmos um instrumento não só para a escrita, mas para que tenhamos corretores (…) temos de ter normas”.
Apesar de reconhecer o grande contributo para a escrita do língua cabo-verdiana do linguista Manuel Veiga com o ALUPEC, Vanilson recorda que a língua não é algo fechado, é preciso ter um padrão que vai sendo consolidado.
Sankofa Magazine e livraria
Entre outros planos, pretendem lançar a Sankofa Magazine, em princípio este ano, 2023. Trata-se de uma revista científica que visa trazer um espaço para que as pessoas possam divulgar os seus trabalhos e dar espaço à reflexão.
Pretendem também trabalhar na área audiovisual. “Estamos a preparar um documentário. Queremos lançar o nosso canal no Youtube”, avança Vanilson e explica que o objetivo é apostar em conteúdos para a África Ocidental. “Eles precisam de saber mais sobre nós”.
Apresentar os dados de um inquérito online sobre o nível literário dos cabo-verdianos que tem sido levado a cabo a nível nacional e da diáspora e já conta com mais de duas mil participações é outra ambição dos mentores da Sankofa.
Além destas iniciativas querem abrir uma livraria café na cidade da Praia.