
Sábado, 2 de Dezembro, 2023
Natural da localidade de Aguada, no concelho de Ribeira Grande em Santo Antão, Sally Delgado é animadora social, atriz, contadora de histórias e escritora que há cerca de 11 anos tem desenvolvido vários projetos socioeducativos no Sal.
Antes de se mudar para a ilha das Salinas, a santantonense profissionalizou-se na área de Animação Sociocultural em São Vicente. Depois de um curso superior profissionalizante em Desenvolvimento Social e Comunitários na Universidade de Cabo Verde (Uni-CV), Sally fez um de Gestão e Produção Cultural, “duas áreas que se complementam”, conforme explica.
Foi o ambiente cultural da cidade do Mindelo que despertou o seu interesse pela cultura. “Lembro que quando ia de férias para São Vicente gostava de ir ao cinema no Éden Park e de ver a Banda Municipal a tocar na praça. Noutras alturas ia assistir ao Carnaval. Parecia mesmo um outro mundo, ficava encantada”, recorda e acrescenta que quando foi estudar na ilha do Monte Cara o seu entretenimento era ir ao teatro e ao cinema no Centro Cultural do Mindelo.
Focada na tradição oral cabo-verdiana, o seu projeto de conclusão do curso de Gestão Cultural foi baseado no conto do Boi Blimundo. Era o seu primeiro contacto com o livro escrito por Leão Lopes, que na altura era o seu professor. “Antes só lembrava da música na voz do meu avô que ficava sempre em casa a cantar ‘Oh Blimundo, senhor Rei mendé-me bem’shkób’”, conta e diz que foi a sua estreia como atriz.
Em 2013, viajou para o Sal para trabalhar num projeto socioeducativo, gosta tanto da ilha que por lá ficou.
“Quando comecei a trabalhar com as crianças no Sal vi que não tinham muito conhecimento dos contos e da nossa tradição oral. Fiquei inquieta com isso e não queria que passassem o mesmo que aconteceu comigo. Passei muito tempo sem conhecer muito desses contos e estava com esta vontade de partilhar o conhecimento dos contos e das suas simbologias com as crianças.”
Sally decidiu recolher contos, mas não imaginava que iria ser um trabalho complicado. “Dificilmente encontrava alguém que conhecia ou tinha algum conto da nossa tradição oral. (…) Mesmo os professores diziam-me que se encontrasse algum conto que partilhasse com eles”, conta e diz que teve que recorrer à ajuda de amigos em Santo Antão e foi conseguindo alguns contos cabo-verdianos.
A santantonense ficou abismada ao perceber que a maioria das crianças no Sal não conhecia o Boi Blimundo, um conto que “quase toda a gente conhece, pelo menos a música.”
O teatro viria a surgir mais uma vez na sua vida quando conheceu o presidente do grupo teatral Dja d’ Sal, Victor Silva, que a convidou para integrar a companhia. “Era o ano da primeira edição do Festival Internacional de Teatro do Sal EnCena, fiquei como atriz, bem como na área de produção”, recorda e acrescenta que com o grupo já participou noutros eventos como o Mindelact e o Festival de Teatro do Atlântico TEARTI. “Há 10 anos faço também estátuas vivas no grupo Dja d’Sal.”
Para a felicidade de Sally, o Sal EnCena criou o Dja d’Sal Stória, onde teve a oportunidade de conhecer o contador de histórias Adriano Reis com quem trocou algumas ideias e projetos. “A partir dessa altura fiquei ainda mais interessada na tradição oral.”
Movida pela vontade de resgatar histórias tradicionais, a jovem decidiu criar os seus próprios livros de forma artesanal para poder trabalhar e oferecer às crianças.
No ano seguinte, Sally integrou o ciclo de contadores de histórias do Sal EnCena e como artesã apresentou o seu projeto de livros artesanais. “A partir dessa altura passei a dedicar-me mais aos contos. Senti a necessidade de ter mais conhecimento e comecei a investir em formações.” Durante a pandemia, a santantonense fez um curso de contadora de histórias onde aprendeu novas técnicas.
Incentivo à leitura nas praias de mar
Como forma de partilhar e de dar a conhecer o trabalho que tem vindo a desenvolver, Sally criou uma página no Facebook “Kontart – Storias P Bo” e começou a receber convites para realizar sessões de contos em jardins infantis, em programas de ATL, nas escolas, na Biblioteca Municipal, nas associações e na comunidade.
O seu projeto mais recente é a Biblioteca Itinerante Pelas Brisas do Mar que decorreu de julho a setembro deste ano (2023) nas praias de Santa Maria e de Palmeira. “O objetivo maior foi a partilha de livros, levar livros para todos os que estivessem interessados e na praia de mar, estimular as crianças o gosto por essa atividade (…)”, explica a mentora do projeto que acrescenta que houve oficinas de escrita criativa, animação com mágico, palhaços, músicos e outras atividades.
Escrever um livro nunca esteve nos seus planos, mas após anos a aventurar-se pelo mundo dos contos e a criar as próprias histórias, Sally foi incentivada pela editora Letras Salgadas a lançar a obra “Luzôna ma sis meskrinhas”.
“O nome do livro representa uma homenagem às tradições das nossas ilhas. (…) Luzôna é uma figura das superstições da ilha do Sal, mas o livro em si representa uma Luzôna real, uma inquietação minha, por assim dizer. Devemos ser um pouco mais sensíveis, empáticos e ter mais respeito ao o que nos rodeia, o nosso planeta, cuidar dela”, diz a escritora que em dezembro vai lançar a obra “O Pai Natal na Montanha dos Sonhos.”
Questionada sobre como vê as áreas da literatura e do teatro em Cabo Verde, Sally Delgado diz que ainda há muito trabalho por fazer em todo o território nacional. “Há falta de união, as duas áreas deveriam complementar mais. (…) Nos meus projetos tento uni-las para ter mais resultado. Vejo que tem sido feito algum trabalho (…) São Vicente está mais à frente nestas áreas, mas ainda vejo que ainda há muito por fazer.”
Segundo a contadora de estórias, é preciso haver mais incentivos, livros e educação artística. “(…) Estou contente porque vai acontecer o primeiro curso de Artes Cênicas em Cabo Verde, mas não basta só haver formações disponíveis. Espero que já tenham feito algum trabalho de terreno para ver como é que vão enquadrar os profissionais quando terminarem a licenciatura.”
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