
Terça-feira, 21 de Março, 2023
Radicada no Brasil desde 1994, Ângela Brito encontra-se de visita a Cabo Verde desde dezembro. Em entrevista ao Balai, a estilista recorda que o seu amor incondicional pela moda surgiu desde muito cedo. “A moda sempre foi quase uma obsessão. Nem digo paixão, porque realmente é uma coisa que me consome tanto. Vivencio a moda dia e noite. Estou o tempo todo a estudar/pesquisar e a fazer moda. Não consigo parar”, diz.
Lembra que os pais sempre a incentivaram a seguir com o sonho. “Apesar de não ser costureira, a minha mãe gostava de costurar e tinha uma máquina de costura e revistas de moda em casa. Os meus pais sempre me deram todo o material que puderam”.
Ângela nasceu no concelho de Santa Catarina de Santiago, mas cresceu em Portugal, país onde escutou inúmeras vezes que não pertencia ao mundo da moda.
“Diziam que a moda não era para mim e que não fazia parte desse mundo. Chegaram a perguntar-me se já tinha visto alguma mulher negra com uma marca. Não dei ouvidos e continuei com os meus estudos. (…) Então, é uma indústria que nunca me contemplou e não me vejo espelhada”.
Queria fazer um curso de moda, mas em 1993 não foi possível e optou por cursar Engenharia de Telecomunicações no Brasil. “Na altura já costurava, modelava e estudava moda o dia inteiro. No meio dos meus livros de engenharia sempre tinha uma revista ou um livro de moda. As pessoas perguntam-me se abandonei o curso e digo que a engenharia que estava enfiada na moda provisoriamente e não o contrário”, recorda com um sorriso.
Formou-se em Engenharia de Telecomunicações e trabalhou em duas empresas brasileiras na área de tecnologia. “Por não ter condições financeiras, trabalhei durante oito anos na área tecnológica e consegui juntar dinheiro para estudar moda e criar a minha marca”.
“São Paulo Fashion Week foi um dos momentos mais incríveis da minha marca”
“Resiliente e persistente”, Ângela Brito transformou o sonho em realidade quando, em 2014, criou a própria marca que leva o seu nome, lançou a primeira coleção e estampou uma página inteira do Caderno Ela da Globo.
Em 2018, apresentou as suas criações na Casa dos Criadores, que é o maior evento dedicado à moda autoral brasileira, e chamou a atenção dos média pelo facto de usar apenas modelos negros no desfile.
Moda intrinsecamente ligada ao ativismo
“A pergunta que mais recebi dos jornalistas foi porque as modelos eram todas negras. Então, para mim a moda está intrinsecamente ligada ao comportamento e ao ativismo, (…). Sendo uma mulher negra eu não podia chegar numa semana da moda e comportar-me como se nada estivesse a acontecer. Não havia modelos negros nas passarelas, nos lugares de decisão e nem estilistas negros do meu lado. Então precisava quebrar essa barreira”.
“Foi um dos momentos mais incríveis da minha marca”, é assim que Ângela Brito descreve a sua estreia em 2019 na São Paulo Fashion Week (SPFW), que é o maior evento de moda do Brasil e o mais importante da América Latina.
“Fui a primeira estilista negra a fazer parte do line up oficial do SPFW, estava entre os melhores do país e da América Latina e a marca ganhou visibilidade”, diz e revela que não é uma pessoa que liga as críticas, sejam elas positivas ou negativas. “Mas preciso continuar a ter o senso crítico do meu trabalho”.
A estilista diz que no início era complicado realizar um desfile com modelos negros, mas no SPFW a mudança foi “gritante”. “O meu casting já vinha com 60% de modelos negros e comecei a ver a mudança. As agências dizem que não enviam modelos negros porque as marcas não aceitam”.
Em 2020, pela primeira vez, a SPFW exigiu que 50% dos modelos fossem negros, afrodescendentes ou indígenas. “Então, é para essas mudanças que vivo a moda”.
Apesar de viver há 28 anos na cidade do Rio de Janeiro, no Brasil, Ângela Brito ainda se sente eternamente estrangeira. “Vivo no Brasil a mais de metade da minha vida e sempre existiu essa faísca de ‘não pertença’. Ninguém fala que é uma estilista brasileira, mas sim uma marca brasileira de uma estilista de origem cabo-verdiana. Mas está tudo bem”.
Viajar é uma das paixões da Ângela. Gosta de conhecer pessoas, culturas diferentes, trocar experiências e buscar inspirações. Quando precisa “desacelerar” vem a Cabo Verde.
“A população tem uma qualidade de vida excecional e não dá valor. Estar aqui é como se desse uma baixada na poeira. (…) Cabo Verde representa reconectar com as origens, ver a família e beber de afeto e desacelerar, mas ao mesmo tempo sinto-me um pouco deslocada. (…) Não pertenço a nenhum lugar”, explica e diz que as suas coleções têm memórias afectivas de quando vivia no país.
Questionada sobre como tem sido o impacto da pandemia da covid-19 na sua vida profissional, Ângela Brito diz que, apesar de ser uma marca pequena e organizada, o impacto a nível financeiro foi muito grande.
Contudo, salienta, que por outro lado foi positivo e que a pandemia a ensinou a viver mais o presente. “Sei que foi dolorido, mas para mim teve algo incrível que foi o reencontro e de estar mais tempo – 6 meses – com os meus pais em Cabo Verde. Acho que foi um presente de Deus. (…) Ao regressar ao Brasil, surgiram novos projetos e em 2021 lancei a coleção Arquivo inspirada no baú de fotos do meu pai”.
“Cesária Évora sempre me empoderou pela autenticidade”
Em dezembro de 2021, a estilista Ângela Brito foi convidada pela Associação Cesária Évora para participar numa conversa sobre o Empoderamento Feminino com foco na vida e obra da Diva dos pés descalços, Cesária Évora.
Em entrevista ao Balai, a estilista diz que é fã em todos os sentidos da malograda cantora e que Cize sempre a empoderou pela sua autenticidade.
“Eu gosto das pessoas que se focam no seu trabalho, na sua paixão sem esperar nada em troca. As pessoas não têm noção da magnitude da Cize. É uma pessoa que realmente projetou o nome de Cabo Verde e soube fazer com mestria e ao mesmo tempo completamente desligada”.
Paralelamente, diz que gostaria de participar de mais eventos e de contribuir mais para o arquipélago.
No que tange a planos para o futuro, Ângela Brito, que foi eleita uma das 100 Personalidades Negras Mais Influentes da Lusofonia, diz que está a trabalhar numa nova coleção, bem como noutros projetos. “Desde setembro que estou a trabalhar nesta coleção, mas acho que ainda não está madura”, revela e diz que existe uma pressão muito grande para fazer duas coleções por ano.
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