
Sábado, 3 de Junho, 2023
O mindelense Kleidir Fortes tem 34 anos e é um ex-toxicodependente em recuperação. Conta que tudo começou ainda na adolescência, aos 13 anos, e durante 20 anos travou uma luta contra o vício com vários altos e baixos.
“Comecei por usar álcool em casa, levava para a escola secundária e depois experimentei padjinha (cannabis).(…) A partir daí meti-me nos grupos de gangues de São Vicente. Era um delinquente juvenil e cheguei a viver na rua. Aos 15 anos saí de casa e passei a dormir em casas aleatórias”, recorda em entrevista ao Balai.
Em 2013, fugiu para a Boa Vista tendo continuado a viver nas mesmas condições. Dois anos depois mudou-se para a ilha do Sal. “Sempre fiz fugas geográficas. Fugia do meu problema, mas este estava comigo. São Vicente é uma ilha pequena e eu era procurado pela Polícia e por grupos de gangues. Fugi e fui mendigar nas outras ilhas. (…) No Sal cheguei a viver na lixeira. Por ser uma ilha turística há muito desperdício de comida por parte dos hotéis. Alimentava-me na lixeira e encontrava bebidas, mas já tinha decidido não consumir mais drogas.”
Para Kleidir, viver na lixeira foi chegar ao “fundo do poço”. “Não havia mais para onde ir, ou morrer ou sobreviver. Em novembro de 2015, procurei ajuda na Delegacia de Saúde do Sal e no ano seguinte encaminharam-me para a cidade da Praia para fazer tratamento na Comunidade Terapêutica de Granja São Filipe, onde estive durante 9 meses”, conta e acrescenta que enquanto esteve internado fez uma formação básica de restauração e começou a gostar desta área.
Kleidir afirma que após o tratamento foi vítima de estigma e teve dificuldades na reinserção social. “A nossa sociedade ainda tem a mente fechada, logo ninguém queria empregar-me por causa do meu passado obscuro. Então, fui obrigado a empreender.”
Em 2020, após quatro anos a residir na capital do país, regressou à cidade do Mindelo e passou a vender pizza na rua. “Sonhava em ter um espaço e depois de três meses consegui abrir uma pizzaria sem álcool. (…) Depois veio a pandemia da Covid-19 e como era novo no ramo de restauração acabei por sucumbir à crise”, diz e salienta que em novembro de 2021 regressou à capital do país em busca de novas oportunidades.
Aposta no hambúrguer artesanal
Kleidir chegou a fazer um curso online de Hambúrguer Artesanal e após regressar à cidade da Praia resolveu começar um negócio no ramo. “Fiz um curso que não existe em Cabo Verde e decidi criar o meu próprio hambúrguer para ter um diferencial e não ser apenas mais um no ramo. Vi que vender um valor a mais é vender saúde. Faço o meu próprio ‘blend’ ( mistura de carnes para o preparo do hambúrguer) molhos, pães de várias cores, etc. O meu hambúrguer é 100 por cento artesanal.”
Cada hambúrguer tem um nome personalizado. “Por exemplo, o com sabor caramelizado intitulei de ‘Gold’ porque acho que ele é um ouro (risos). É o hambúrguer que vende mais. (…) Não tenho um menu porque sou uma pessoa que está sempre a inovar para não ficar estático. Neste momento desenvolvi um hambúrguer de peixe, um vegetariano (de abobrinha). Tento alcançar todas as faixas etárias”, diz e acrescenta que o hambúrguer básico custa 450 escudos e o mais caro custa 700$00.
O empreendedor não tem um espaço físico e tem apostado em vendas online, bem como em consultorias para estabelecimentos e particulares que querem empreender nessa área.
“O meu objetivo é revolucionar o hambúrguer em Cabo Verde. Por isso tenho a área da consultoria. Acredito que quem não inovar vai ficar para trás, porque quando surge um hambúrguer artesanal as pessoas não vão querer comprar o industrializado. Querem algo saudável, delicioso e com um tempero de Cabo Verde. Então, há muito valor neste produto.” O feedback do hambúrguer artesanal tem sido “bom”.
“Apesar do preço dos hambúrgueres, nunca tive reclamações sobre o valor porque aposto na qualidade. Acredito que nesse momento as pessoas querem pagar por um serviço bem feito. Então, tenho tido bons feedbacks. Neste momento, estou a fazer consultorias e a demanda tem aumentado, recebo muitos pedidos dos meus clientes. Estou focado nas consultorias e a venda na minha página no Instagram está parada. (…) É um negócio ramificado em três partes: consultoria, formação e venda de hambúrguer.”
Enveredar para a área digital
No mês de março, o mindelense formado também na área de Marketing Digital vai lançar um e-book – “A Bíblia do Hambúrguer Artesanal” – constituído por 25 páginas que explicam o processo da confeção de um hambúrguer artesanal. A obra é o resultado de muitas pesquisas em diversas áreas.
“Já decidi mesmo em enveredar para a área digital. Então, é um complemento de tudo o que faço. Muitas vezes as pessoas não têm a possibilidade de comprar o curso online que custa 5 mil escudos, mas podem comprar um e-book de 500 escudos. Ainda não comecei a dar o curso online, estou na fase de produção”, explica e realça que o curso é vitalício e pode ser feito em qualquer lugar e horário. O empreendedor também está a criar um canal no YouTube para partilhar a sua paixão pelo hambúrguer artesanal.
Kleidir tem também um lado social. É ativista e tem um projeto de inclusão social. “Ainda não iniciei o projeto, mas o público alvo do curso são vítimas de violência baseada no género, ex-reclusos, deportados e toxicodependentes em recuperação. O objetivo do projeto, que inclusive já está feito e que já foi enviado para várias instituições, é ministrar o curso de Hambúrguer Artesanal para 440 jovens nos 22 concelhos do país. Formar vinte jovens em cada concelho. O projeto já está alinhado, mas precisa de apoio para chegar às comunidades. (…) o objetivo do curso é chegar à pessoa certa”, revela e salienta que está à procura de parceiros para avançar com o projeto. “Essa é a minha maior realização.”
No futuro, o empreendedor ambiciona abrir franquias em todas as ilhas, bem como abrir postos de trabalho. “Quero ser um empresário bem-sucedido e viver em recuperação e sóbrio. (…) Já estou há oito anos na luta contra o álcool, sobretudo, já tive recaídas pelo meio. Faz parte porque é uma doença crónica. Em 2021, tive uma recaída e tive que procurar ajuda e fiz tratamento para continuar a caminhada. (…) Hoje sei onde é que errei e procurei ajuda de imediato. É uma lição. Acredito que me ajudou muito de uma forma dolorosa, mas deu-me força para continuar. Sobretudo, vivo pelo meu sonho e é isso que me dá forças para levantar todos os dias. Porque não vivo só em recuperação”, conclui.