
Histórias na primeira pessoa: Jamira Dias
Vamos conhecer a história da Jamira Dias, que relata o percurso de superação depois de um acidente que lhe tirou a mobilidade aos 10 anos.
Começo por contar os momentos e memórias que vivi com a minha mãe na minha infância. A minha mãe chamava-se Maria De Oliveira, nasceu em Cabo Verde, na ilha de Santiago, no concelho de Santa Catarina.
Lembro-me de momentos vividos a partir dos 4-5 anos de idade. A minha mãe era Peixeira e na altura ela tinha 6 filhos, contando comigo, éramos 2 rapazes e 4 meninas. Infelizmente, uma das minhas irmãs faleceu antes de eu nascer, num acidente trágico em casa,ela morreu afogada num balde com água e lixívia, no momento em que minha a mãe lavava a roupa à mão, e por uns minutos de distração dela aconteceu este terrível acidente.
A minha mãe era uma mulher para mim muito trabalhadora, guerreira e muito lutadora, fazia de tudo para que nada nos faltasse, nem atenção, carinho, proteção e amor.
Lembro-me dela como uma mulher alegre, gostava de fazer festas para nós, churrascos, brincava connosco em casa, levava-nos ao parque de diversões, ensinava-nos algumas coisas sobre música e Cultura Cabo-verdiana, cuidava de nós todos incansavelmente.
Admirava-a imenso pela maneira humilde, sincera e honesta de ser, dava-se muito bem com os vizinhos, ajudava-os sempre que eles precisavam, mesmo em situações difíceis como: ajudava um senhor chamado Benja que tinha problemas sérios com o álcool e com a sua família e quase ninguém se preocupava com ele. Ela ensinava-lhe a fazer comida e algumas vezes ela lhe pedia ajuda para fazer alguns serviços em casa em troca lhe dava um prato de comida (…). Também se um dos nossos vizinhos não tivessem o que comer ela lhes dava peixe ou carne sendo que ela também criava animais como: galinhas, patos, cabras, porcos e coelhos, fazia também chouriços, carne e peixe salgado, torresmos e muito mais.
A minha mãe era uma mulher incansável e para mim incomparável, fazia de tudo para ver os filhos felizes e ensinou-nos muitas coisas boas. Lembro-me de muitos bons momentos passados ao lado dela.
A minha mãe era uma mulher muito independente, até construiu a própria casa, fazia quase tudo sozinha, sem precisar da ajuda do meu pai.
O meu pai chama-se António Cabral e nasceu em Cabo Verde, também na ilha de Santiago. Ele tinha problemas com o álcool e era um homem muito agressivo, tanto para connosco, os filhos, como para com ela mulher, era um homem bastante conflituoso e violento.
O “trauma” da minha infância começou quando ouvia os meus pais a discutirem assim que ele chegava em casa, muitas vezes, bêbado, completamente alcoolizado, ele chegou a bater e a agredir a minha mãe, muitas vezes, e com muita violência, cheguei muitas vezes a ver sangue dos ferimentos graves que ele lhe causou. Houve um dia em que a minha mãe teve que ser assistida no Hospital devido aos ferimentos gravíssimos que ele lhe fez, dando-lhe com um machado na cabeça e lhe fez um corte quase fatal na cabeça. O meu pai foi para mim uma das piores pessoas que eu poderia imaginar.
A minha mãe tentou por várias vezes expulsa-lo de casa, também fez queixa na Polícia, mas, infelizmente, sem sucesso e resultado. Nunca percebi o porquê …também pediu ajuda aos vizinhos, mas, infelizmente, ninguém se quis envolver ou ajudar-lhe. Nós, os filhos, sofremos muito ao assistir a esses momentos de constante terror em nossa casa e na nossa vida.
O meu pai foi para mim um verdadeiro “Demónio” na minha vida. Lembro-me do dia que ela estava grávida do meu oitavo irmão e ela farta dessa vida de terror, decidiu pôr as roupas dele fora de casa. Assim que ele chegou em casa e viu as roupas dele na rua entrou violentamente em casa e agrediu a minha mãe mais uma vez e nós os filhos a assistir aquele terror todo, a chorar e a pedir que ele parasse de bater nela. Queríamos ajudá-la, mas sem saber como e ele nos ameaçava para que nós não nos afastássemos dela. Nós com muito medo dele sofríamos sem poder fazer nada para ajudá-la a sair dali. Os dias se passavam assim com muito medo, sofrimento, angústia sem saber quando e que aquele pesadelo iria acabar.
O meu oitavo irmão nasceu com alguns problemas de visão devido às agressões durante a gestação, ela teve também um parto bastante complicado com alguns problemas devido a violência doméstica.
Passados alguns meses depois do nascimento do meu irmão, a minha mãe deu entrada no hospital em estado muito grave, onde acabou por falecer. Eu tinha apenas 7 anos de idade.
Foi um sofrimento sem fim. Eu não queria acreditar. Foram momentos terríveis para mim, um pesadelo sem fim, um sentimento de tristeza, perda, um momento sem explicação.
Depois da morte da minha mãe, os meus dois irmãos mais velhos foram morar com o pai deles (sendo que a minha mãe teve 3 filhos do primeiro casamento com outro homem). Foi um momento muito triste para mim, a separação dos meus 2 irmãos mais velhos que eu amava muito.
E eu e os meus outros quatro irmãos continuamos a viver com aquela pessoa horrível “meu pai” …sem nunca se ter feito justiça pela morte da minha mãe (…)”.
Este testemunho foi publicado em dezembro de 2020 e faz parte de um leque de histórias inspiradoras originalmente publicadas na página Sem Tabus.
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