Saúde mental: “O silêncio corrói mais do que cura”, afirma Batchart

Em 2020, os artistas cabo-verdianos Djam Neguin e Batchart lançaram o projeto “Sê Kel K Bo Ê”, que visa abordar a saúde mental e a prevenção ao suicídio, que por muitos anos foi um tabu. Em entrevista ao Balai, Edson Silva de nome artístico Batchart diz que “é preciso tornar a saúde mental uma prioridade o ano todo”.

Após ter passado por uma depressão profunda e de ter tido pensamentos suicidas, o dançarino e performer Djam Neguin resolveu ajudar outras pessoas que estão na mesma situação. Uniu-se ao também artista Batchart e juntos lançaram a 10 de setembro do ano passado (2020) o “Sê Kel K Bo Ê”, um projeto que visa abordar a saúde mental e a prevenção do suicídio.

O rapper e ativista social Batchart explica que o projeto surgiu a partir de uma música que dá título à campanha. “Djam contou-me a sua história de depressão e a tentativa de suicídio e convidou-me para fazer parte do single. Levamos algum tempo a produzir e depois tivemos a ideia de idealizar uma campanha usando a arte”, conta e explica que o projeto é uma forma de Djam retribuir a oportunidade que a vida lhe deu.

A campanha “Sê Kel K Bo Ê” já vai na sua segunda edição e já foi apresentada em onze liceus da cidade da Praia (Santiago) e ainda nas ilhas do Maio e do Fogo. Mas o desafio dos mentores é levar a campanha para as outras ilhas.

“Inicialmente, a nossa ambição era descentralizar o projeto, mas a capital do país acabou por ser privilegiada. Graças a algumas parcerias já conseguimos levar o projeto para as ilhas do Maio e do Fogo. No mês de novembro, queremos ir a Santo Antão e São Vicente através de parcerias com as câmaras municipais. Se conseguirmos levar “Sê Kel K Bo Ê” para todas as ilhas durante alturas em que o tema não é abordado seria o ideal”, salienta.

Escolheram levar o projeto às escolas porque, segundo Batchart, as instituições de ensino não têm sido apenas um espaço de boa convivência, aprendizagem e conhecimento. “A nossa abordagem é fazer com que os alunos entendam o quão importante é o autocuidado e o autoconhecimento”.

“Os adolescentes estão num período de mudança tanto a nível do corpo como na forma de pensar. E têm acontecido muitas situações como as questões ligadas ao bullying e casos de tentativas de suicídio. E, muitas vezes, as escolas não estão a trabalhar essa questão”, diz e acrescenta que a arte permite-lhe chegar com mais facilidade até aos alunos do que os técnicos da área da saúde.

Apesar de terem encontrado muita desinformação que vem carregada de tabus, Batchart diz que o feedback dos professores e dos alunos tem sido “excelente”. “Acho que o projeto está a ser bem acolhido junto do público alvo, na medida que é muito difícil conseguir falar com os jovens e adolescentes sobre a saúde mental. A arte permite que a informação seja transmitida de uma forma mais leve”, diz e salienta que após os workshops há sempre uma abertura por parte dos estudantes que procuram a página do projeto para exporem alguma situação em concreto que os incomode.

Na página do Facebook do “Sê Kel K Bo Ê”, os mentores disponibilizam depoimentos de pessoas que passaram por processos conturbados nas suas vidas. “Há uma crença que diz que falar sobre o suicídio é uma forma de incentivar as pessoas a comete-lo, mas é precisamente ao contrário. Quando se fala de suicídio está-se a criar uma oportunidade. Por isso, os depoimentos são importantes, com ênfase na ajuda especializada, que temos na página”, diz e acrescenta: “O silêncio corrói mais do que cura”.

Tornar a saúde mental uma prioridade

Segundo Batchart, a pandemia da covid-19 teve um impacto “enorme” na saúde mental da população cabo-verdiana. “Se formos fazer uma análise, o desemprego e a insegurança laboral têm tido um impacto enorme na vida emocional das pessoas. Acho que é algo que ainda Cabo Verde não percebeu. Fala-se da economia, mas é preciso abordar o impacto da pandemia na saúde mental no país”.

O artista diz que é preciso colocar o assunto em cima da mesa sem tabus e torná-lo uma prioridade. “Todas as pessoas têm um papel importante nesse ecossistema. É preciso educá-las para verem e entenderem os sinais para poderem agir em qualquer circunstância”.

“Se excluirmos as câmaras municipais que se envolveram agora no projeto, inicialmente não tivemos a parceria de um organismo público, o que não deixa de ser uma grande reflexão. Até que ponto a saúde mental é de facto uma prioridade para o país? Se fosse uma prioridade de alguma forma haveria financiamento. Mas, isso não quer dizer que para fazer alguma coisa é preciso ter dinheiro, até porque “Sê Kel K Bo Ê” é um grande exemplo disso. É preciso criar uma política pública para poder cofinanciar e influenciar a criação de projetos. É preciso tornar a saúde mental uma prioridade o ano todo. A saúde mental é de todos”, conclui.

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