
Quarta-feira, 22 de Março, 2023
No rescaldo da Web Summit 2023 que terminou a 4 de novembro em Lisboa, o Balai conversou com o coordenador do programa Cabo Verde Digital, Milton Cabral, que operacionaliza o GoGlobal, “um programa do governo que tem como objetivo criar oportunidades para que jovens e empresários em Cabo Verde possam estar em palcos internacionais e acompanhar aquilo que de melhor se tem feito ao nível do empreendedorismo, inovação e tecnologia”.
Há três edições que Cabo Verde é o único país africano com um stand na Web Summit e este ano a comitiva nacional, a maior de sempre, contou com cerca de 50 pessoas, entre as quais 10 startups, que foram selecionadas através de um concurso, e ainda instituições parceiras e com a presença da diáspora cabo-verdiana que vive em Portugal e noutras partes da Europa, nomeadamente de Mónica Medina e Any Keila, “duas cabo-verdianas que se destacaram durante o ano de 2022 e que foram reconhecidas internacionalmente com prémios em áreas científicas e em áreas tecnológicas”,
Quais as mais valias que saem desta edição que contou com a maior comitiva de sempre. O investimento foi maior, quer da parte do governo quer da parte das empresas que marcaram presença. Quais os ganhos é que saem deste evento?
– Os ganhos são a vários níveis. O mais importante é termos a consciência de que a área tecnológica tem a sua particularidade. Devemos ter a consciência que lidamos com o intangível, a tecnologia é intangível. É diferente de um negócio convencional. Por exemplo, no comércio quando vamos a uma feira internacional, identificamos o fornecedor e comprámos algo. (…) um outro aspeto importante é que hoje a informação, os dados e os contactos são o maior ativo que existe. A capacidade de conectar players, tanto a nível nacional como internacional, representa um ativo de capital singular.
Um dos resultados práticos que podemos mencionar é a angariação de centenas de contactos de empresas e empreendedores, a nível mundial, que poderão agregar valor tecnológico aos negócios que estão a ser desenvolvidos em Cabo Verde, nomeadamente pelas startups e pelas empresas que participaram. Mais do que valor tecnológico, podem também agregar valor de negócio (…) existe aqui um potencial de internacionalização e de negócio para ambas as partes.
Foram assinados três protocolos: um com a Câmara Municipal de Lisboa e este protocolo tem uma importância grande na medida que Lisboa tem sido o capital das startups em Portugal e na Europa. E nesta senda tem-se feito uma aposta grande, nomeadamente com a criação daquilo que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, chama de Fábrica de Unicórnios, e isto significa o investimento da autarquia de Lisboa na aceleração do startups de alto potencia.
Mas este protocolo vai se traduzir em quê para Cabo Verde?
– Significa abrir a possibilidade de Cabo Verde participar em programas que são executados no âmbito da Fábrica de Unicórnios.
Em Portugal?
– Em ambos os sentidos. No discurso do presidente da CML, Carlos Moedas, ele referiu a possibilidade da abertura do primeiro polo da Fábrica de Unicórnios no continente africano em Cabo Verde.
Uma possibilidade ainda e não é uma certeza?
– Naturalmente, os protocolos depois têm de ser concretizados. Mas é a direção em que se está a caminhar. Mais do que esta perspetiva (…) uma interação nos dois sentidos desses dois ecossistemas está prevista neste protocolo, que tem uma dimensão até estratégica, no sentido em que Cabo Verde pode se posicionar e tem sido visto como uma porta de entrada para as startups da Europa para o continente africano e Lisboa posiciona-se como uma porta de entrada de startups cabo-verdianas para o continente europeu.
Foi também assinado outro protocolo com a Agência Nacional de Inovação (ANI) com a Pró-Empresa, com o propósito de criar instrumentos que possam estimular a transferência de conhecimento científico para o setor empresarial, conectando as universidades e a componente de investigação e desenvolvimento à componente empresarial (…).
E, por último, também a houve espaço para a assinatura de um protocolo a entre a Direção-Geral de Emprego e a empresa Dev.go, uma startup cujo fundador é de origem alemã e que já opera em Cabo Verde há cerca de quatro anos, em São Vicente, onde emprega cerca de 30 jovens no setor de desenvolvimento de software e abriu, recentemente uma sede na cidade da Praia, com o objetivo de expandir a equipa e este protocolo visa apoiar ou até patrocinar, em certa medida, o desenvolvimento de um programa de capacitação para jovens cabo-verdianos que depois possa ser revertida em empregabilidade.
Estamos a falar de um protocolo semelhante ao que o NOSi tem com a PWC?
– Estamos a falar de um programa chapéu que é o Kode Verde que é precisamente um programa que tem estado a dinamizar e apoiar iniciativas do género para o desenvolvimento de competências, em parceria com as nossas startups garantindo a empregabilidade desses jovens nos projetos dessas empresas.
Podemos falar desses ganhos que são mais tangíveis, mas há um outro ganho que não conseguimos quantificar que é a mudança de mindset.
Colocar um jovem que, em outros contextos, dificilmente teria a possibilidade de estar num ambiente como esse, onde se respira inovação, tecnologia e empreendedorismo, onde se está em contacto com os maiores talentos do mundo, se pode assistir a conferências das maiores empresas de inovação e tecnologia, e facilmente se consegue aceder ao CEO da Microsoft ou da Google, é transformador.
Mas sentem que é transformador para os jovens das startups? Eles dão esse feedback? Eles conseguem efetivamente chegar a essas pessoas?
– Este este evento é aquilo que nós chamamos de trigger, é um gatilho e permite que esses jovens se sintam confortáveis em dar este passo. Antes de irmos, as 10 startups que são selecionadas passam por um processo de formação. São capacitadas em algumas das disciplinas que nós consideramos importantes nomeadamente o inglês, (…) e na própria dinâmica da Web Summit para saberem como as coisas funcionam, como se movimentar, como se preparar. Formamos-lhes em como abordar um investidor, como fazer um pitch, em como promover os projetos. Essa componente preparatória é fundamental para que depois possam ter a capacidade de dar este passo.
De facto, constatamos através da observação e recebemos este feedback dos jovens que depois de saírem do evento, transmitem-nos uma outra energia, outra confiança e evidenciam-nos os contactos que fizeram, pessoas que conheceram, investidores que abordaram, masterclasses que participaram, parceiros tecnológicos que identificaram e isto mostra uma transformação de mindset.
Fazem algum tipo de seguimento ou acompanhamento dos participantes das edições anteriores?
– Todas as startups que participam do GoGlobal fazem parte de uma comunidade que temos no Facebook Workplace que é uma plataforma fechada onde temos todos os participantes das várias edições (…). O desenvolvimento das startups e das parcerias e a concretização das possibilidades dependem no final do dia da startup e da capacidade de concretizar de quem está no mercado e das dinâmicas do mercado. Não significa que um contacto que um empreendedor faz hoje na Web Summit obrigatoriamente se vá concretizar, dependerá de vários fatores. Mas a Web Summit é um espaço onde se abrem inúmeras possibilidades, a sua concretização depois dependerá muito da capacidade dos empreendedores em dar o próximo passo e fazer o seguimento das possibilidades que são aberta.
E das startups que já estiveram na Web Summit, sei que pelo menos duas do ano passado não estão a operar. Duas em dez, corresponde a 20 por cento. E se for destas três edições vocês têm dados de qual é a percentagem das startups que continuam ativas e a operacionalizar os seus projetos ?
– Fazemos um acompanhamento genérico. Nós acompanhámos a dinâmica do mercado e temos a consciência de que principalmente quando falamos do setor da tecnologia é uma tendência global, que num universo de 100, existe uma alta taxa de mortalidade de 90%.
Quando falamos no setor da tecnologia estamos a falar de um setor onde a taxa de mortalidade das startups é alta e é natural, é esta dinâmica que carateriza a indústria. O que observamos é que as nossas startups não fogem à regra. Sabemos que temos algumas que continuam a fazer o seu percurso, nas várias etapas, mas sabemos que temos outras que, pelos vários condicionalismos do desenvolvimento, acabam por morrer pelo caminho, acabam por redesenhar os negócios, por se reposicionar e é normal. Nós temos alguns exemplos: temos a Pratex que foi na primeira edição (…)
E voltou agora a participar após vencer o Demo Day
– Sim e tem-se mostrado uma empresa que já incorporou a cultura e a perspetiva da inovação e, precisamente por isso, tem conseguido saltar de etapa em etapa. Temos a Smart Taxi que também participou na 2a edição e que é constituído por jovens que já estão na indústria tecnológica há vários anos, que percebem a dinâmica e que continuam a apostar. Temos a Sintaxy que foi agora, mas que já vem de outros programas da Cabo Verde Digital e que está com uma perspetiva muito virada para o mercado global através de um projeto que é o African Coders. Temos o Nha Bex que também participou na primeira edição e que continua a fazer a gestão das filas de espera em várias estruturas no país e temos a Morabex, casas Morabeza, que é uma solução que procura vender experiências locais a turistas que chegam a Cabo Verde.
São vários exemplos de jovens, que acima de tudo, têm incorporado a cultura do empreendedor e navegado naquilo que é o ciclo de vida para a constituição de startups tecnológicas. Mais do que tecnologia trata-se de cultura e de pessoas, de como conseguimos criar uma massa crítica, pessoas que pensam de uma forma global e que percebem o processo.
E a nível da representatividade nacional ? Sei que a maior fatia das startups são de Santiago, mas já há também de São Vicente …
– Tivemos candidaturas de Santo Antão, do Sal, do Fogo e do Maio. Começamos a sentir que há uma maior sensibilidade e chegamos a mais pessoas nesta terceira edição, mas naturalmente quem vence são os projetos que melhor conseguem externalizar, as candidaturas mais fortes.
Só as de Santiago e de São Vicente é que já foram para a WebSummit ?
– Exatamente, as que já participaram são startups desses dois centros onde temos estruturas que suportam a maior parte da nossa comunidade e a maior parte da nossa comunidade está nesses dois centros. Devemos continuar a fazer esforços para levar essas oportunidades a todas as ilhas e isto não é um esforço desagregado, é um esforço conjunto que passa desde garantir que há jovens de outras ilhas a participar nos outros programas da CV Digital, nomeadamente a bolsa Cabo Verde Digital.-
Para o ano temos o GoGlobal novamente. Quando é que vão abrir as candidaturas? O que é que vão fazer para incentivar os jovens de outras ilhas a participar?
– Em 2023, em novembro estaremos novamente em Lisboa. Com uma presença forte e com stand. Vamos considerar as lições aprendidas e reforçar a nossa abordagem nos vários momentos, tanto no processo de identificação e seleção das startups, que seguramente passará por uma campanha mais forte e, eventualmente, presencial, em várias ilhas. Sentimos que continua a ser relevante estar presencialmente nos sítios.
Iremos continuar a engajar as parcerias porque estão na base da concretização deste programa. Queremos sofisticar aquilo que é a agenda de Cabo Verde em Portugal e ter uma agenda mais cirúrgica e que possa ir de encontro dos objetivos de cada um dos empreendedores selecionados e continuar a criar essa massa crítica de pessoas que pensam fora da caixa e têm a coragem de se relacionar com o mundo.
E quando é que vai começar a seleção?
– No verão (…) este ano as candidaturas começaram a 18 de agosto e terminaram a 11 de setembro. Depois vamos ter a avaliação e seleção.
Como tornar a candidatura ou o projeto mais apetecível? Quais são os critérios? O que é geralmente levado em consideração?
– Nós levamos alguns critérios em consideração: o alinhamento estratégico que significa o quão digital ou como é que a componente tecnológica se enquadra no projeto da startup; o grau de inovação, ou seja, o quão inovadora é a abordagem que a startup apresenta; o potencial de escala qual é a capacidade desta startup de expandir para outros mercados; e o preparo para receber investimentos, ou seja como é que essa startup está estruturada e como é que essa startup avalia em termos de valorização do seu ativo para dialogar com o investidor.
Observamos também a capacidade de externalizar aquilo que é o problema que se está a resolver, a solução que se está a propor e a proposta de valor da solução que se propõe. E quando digo externalizar tem mesmo a ver com a redação. Muitas vezes, recebemos projetos onde sentimos que há potencial, mas a candidatura não é forte o suficiente em termos de explicar ao detalhe: qual é o problema, qual é a solução e qual é a proposta de valor.
O processo de avaliação é feito sempre por um conjunto de representantes das instituições parceiras: da Cabo Verde Digital, do Parque Tecnológico, do NOSi, da Pro-Empresa, da Direção Geral das Telecomunicações e Economia Digital.
E critérios como o género e a idade são levados em consideração?
– Em termos de género é uma candidatura aberta a nível nacional, mas nós estimulamos a candidatura de meninas. Fizemos isso na nossa abordagem de comunicação da edição anterior …
Mas ainda participam mais rapazes?
– Tendencialmente, temos sempre mais candidaturas de rapazes principalmente nesta área. A CV Digital tem feito um esforço no sentido de estimular a participação de meninas, nomeadamente através de protocolos que já assinamos com algumas organizações. Em termos de idade é a partir dos 18 até os 35 anos para garantir que os mais jovens e menos experientes também têm a oportunidade de aceder.
O mentor da Web Summit, Paddy Cosgrave, falou na possibilidade de daqui a uns anos fazer uma edição em África. Cabo Verde é elegível para um evento desta natureza ou seria sonhar muito alto?
– Penso que um evento desta natureza faz todo o sentido em Cabo Verde. Agora se é promovido pelo Paddy Cosgrave, pela Smart África ou por uma outra organização que tenha esta dimensão global é indiferente, não é? Acho que faz todo o sentido um evento desta natureza no país.
Se calhar já temos vários países a querer posicionar-se nesse sentido …
– Exatamente. Mas isto não invalida que pelo investimento que tem sido feito em Cabo Verde, para o desenvolvimento da economia digital, Cabo Verde não se posicione. Cabo Verde tem inúmeros fatores favoráveis para se hospedar um evento desta natureza. Desde logo, o nosso posicionamento geográfico – nós estamos no centro do mundo, a uma hora do continente, estamos a duas/ três horas da Europa e estamos relativamente perto das Américas. Temos a questão da estabilidade política. A questão da reputação no continente africano que é também um fator de estímulo. Teremos seguramente em 2023 um parque tecnológico que irá ter um Centro de Conferências com capacidade de alojar grandes eventos.
Podemos falar aqui do Data Center, do Business Center, do Trading Center e do Incubation Center. Temos todo um contexto que alinha precisamente com a visão de Cabo Verde de se posicionar com um hub de prestação de serviços digitais para o mundo.
Mas houve alguma abordagem nesse sentido ou não pode revelar ?
– (…) aquilo que eu posso dizer é que seguramente Cabo Verde receberá um evento com dimensão global ou em 2023, num cenário otimista, ou num cenário razoável, em 2024.
Sabemos que principalmente fora dos centros urbanos ainda somos um país que está a diferentes velocidades. Se tivesse que caracterizar o ecossistema digital em Cabo Verde, fazendo uma análise, em retrospetiva, desde que está a liderar este programa, como é que carateriza o ecossistema digital no país?
– Considero que o ecossistema digital em Cabo Verde está em franco crescimento. Devemos ter a consciência que o desenvolvimento de qualquer aspeto social ou económico, no contexto empresarial e no contexto do país, depende das bases e das condições que se forem criando e, em última linha, depende da capacidade de produzir de quem está no mercado. O que a CV Digital tem feito, nos últimos três anos, tem sido construir essas bases para que haja uma comunidade de pessoas que partilham a mesma cultura e linguagem, que pensa numa perspetiva orientada para as soluções, que vê nos problemas as oportunidades de criar valor e que depois pode contar com um conjunto de instrumentos para apoiar nas suas jornadas.
Nos últimos três anos tem sido este o objetivo da CV Digital – estabelecer as bases. Criando programas de capacitação, garantindo que jovens possam ter acesso ao conhecimento científico, criando comunidade, engajando pessoas na cultura de partilha, criando e estimulando programas de financiamento, dando visibilidade às inovações e aos produtos tecnológicos que são criados pelas nossas startups, promovendo as pessoas e os jovens, celebrando as inovações que acontecem, advogando junto do governo pela criação de instrumentos e incentivos para as empresas desta natureza. Todas estas ações acabam por constituir a base daquilo que deve ser o desenvolvimento que nós visionamos para daqui a cinco anos.
Cabo Verde tem estado num franco crescimento, em termos do ecossistema de inovação, porque temos uma comunidade empreendedora no país. Temos, cada vez mais, o que chamamos de massa crítica de pessoas que falam a linguagem da inovação tecnológica e com uma perspetiva global, mais soluções que funcionam no mercado e que começam a dar resposta a problemas das pessoas e empresas e que nas próximas etapas poderão alcançar outros mercados. Temos jovens que cada vez mais procuram se conectar ao mercado global e internacionalmente, temos uma reputação muito boa onde os ecossistemas vizinhos se inspiram naquilo que estamos a fazer.
Há aqui um percurso interessante que já foi feito numa perspetiva de crescimento para os próximos anos e sentimos o engajamento dos players do mercado, do governo e uma abertura para iniciativas disruptivas que quebram o status quo, também o engajamento das operadoras de telecomunicações, que têm apostado fortemente na promoção do empreendedorismo e da inovação. Sentimos uma abertura também das outras estruturas do Estado para a absorção da inovação e para apoiar essas dinâmicas, porque no final do dia todos temos a consciência de que o digital é o caminho.
Daqui a três anos, com seis anos da CV Digital, onde ambiciona que esteja o programa?
– Vejo a CV Digital, e principalmente, o ecossistema de Cabo Verde, como um ecossistema mais maduro, que tem na sua constituição jovens altamente capacitados, tanto a nível tecnológico, como a nível do negócio. Um ecossistema conectado com o mundo e que utiliza abordagens globais para resolver problemas locais. Um ecossistema que absorve a inovação, o poder dos dados. Vejo um país que presta serviço e forma através do Parque Tecnológico, toda a nossa sub-região West Africa, um país onde o seu desenvolvimento é sustentado também, em alta medida, no poder da economia digital e no poder das tecnologias.
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