
Sexta-feira, 9 de Junho, 2023
Ayumi Moore Aoki, uma das palestrantes da Leadership Summit, é fundadora da Women in Tech, uma organização sem fins lucrativos que surgiu em 2018 e que se transformou num movimento global que quer estimular a participação das mulheres nas TIC e diminuir a disparidade de género na tecnologia.
Nasceu no Brasil, mas tem origens japonesas, inglesas e brasileiras. Cresceu na África do Sul. Formada em Belas Artes, começou por trabalhar na área de Comercial e de Marketing em França, onde assumiu posições de liderança. Resolveu mudar completamente de área, aprendeu a fazer programação web sozinha. Anos depois deu-se conta da enorme disparidade de género que existe na área tecnológica. Ayumi Moore Aoki resolveu fundar uma organização para fazer face a este fenómeno.
Foi durante a sua intervenção no Leadership Summit, que decorreu na Praia na semana passada, que Ayumi Aoki anunciou que a Women in Tech passa a partir deste mês a contar em Cabo Verde com uma embaixadora, a Mayra Silva, a administradoras executiva do NOSi, bem como uma madrinha, a primeira-dama, Débora Carvalho. Em entrevista ao Balai Cabo Verde, Ayumi Aoki revela que a Women in Tech ambiciona chegar a cinco milhões de mulheres impactadas até 2030.
Enquanto fundadora de uma ONG que visa incentivar a participação feminina na tecnologia, diga-nos por que é que é importante termos mais mulheres nesta área?
– Há muitas razões. A primeira é porque hoje o mundo está feito no digital, em tudo. Uma coisa é tecnologia, mas há também o ter acesso à tecnologia. São duas coisas diferentes e ambas são importantes para as mulheres. Primeiro, ter acesso à tecnologia, porque hoje estamos vivendo num mundo digital e será cada vez mais digital. (ter acesso à tecnologia) quer dizer ter acesso aos empregos, ao treinamento, até à saúde. Hoje as mulheres estão sub-representadas, não têm o mesmo acesso à tecnologia, à internet, aos telefones que os homens. Então, isso também está deixando as meninas para trás. E o segundo é ter as meninas trabalhando e estudando na área de tecnologia. Isso é importante porquê? Porque nós estamos criando o futuro, com essas tecnologias quer seja pela blockchain, a realidade virtual, a inteligência artificial. E nós precisamos que as equipas que estão a criar esta tecnologia sejam diversas para poder também criar coisas que vão responder às necessidades de toda a população. Quer dizer, se 50 por cento são mulheres, nós temos que também ter, não somente mulheres, mas uma pluralidade de mulheres, de todos os tipos, culturas e etnicidade, etc. criando tecnologia.
Vi uma entrevista onde dizia que quando esteve na Web Summit em 2017, verificou que o gender gap (disparidade de género) ainda é significativo na área da tecnologia. Atualmente, esta estatística mudou?
– Nada mudou, infelizmente. Nos últimos 40 anos o gender gap tem ficado mais amplo e profundo. Claro que estamos avançando, porque agora estamos falando mais sobre o assunto, mas, infelizmente, com a covid-19 o que aconteceu é que todos os passos que tínhamos dado em frente, voltámos atrás, porque o mundo mudou e mais uma vez no acesso à tecnologia as mulheres ficaram para trás. Perdemos anos de igualdade de género durante esses dois anos de covid, infelizmente. E na tecnologia não está melhorando. Se olharmos, por exemplo, a percentagem de financiamento de investidores em startups femininas, há dois ou três anos era de 3 %, hoje temos menos de 2% dos fundos de investimento a investir (em mulheres) …
Mas porquê que isso acontece? Porque os fundos de investimento são liderados por homens?
– É uma das razões, mas acho que são várias coisas. Os fundos de investimento na maior parte são isso (liderados por homens). Também temos muito bias (viés) nas perguntas que são feitas as mulheres, em relação as que são feitas aos homens. Por exemplo, eu tenho uma amiga que quando ela foi fazer o pitch dela estava grávida. As perguntas para as mulheres eram tipo: “Como é que você vai conseguir fazer tudo isso com sua família?” São perguntas sobre como a mulher vai gerir crises, crise de família, crise disso, daquilo e nos homens, geralmente, são perguntas relacionados com o crescimento: Como é que vai fazer crescer a sua empresa?” Então as respostas que eles vão dar são diferentes. As mulheres vão responder sobre: como é que eu vou gerir uma crise? e os homens: como é que eu vou fazer para crescer? Não são as mesmas perspetivas, infelizmente.
E de forma a Women in Tech está a tentar mudar este cenário?
– Nós temos quatro pilares que são realmente a nossa missão: a educação, o business (o negócio) e tudo o que é empreendedorismo, e também a inclusão digital e social e a advocacia. Acho que se trabalharmos esses quatro aspetos diferentes é uma das formas que podemos realmente acabar com essa disparidade de género na tecnologia.
A Women in Tech ambiciona chegar aos cinco milhões de mulheres impactadas até 2030. O quão próximas estão deste objetivo?
– Estamos quase em 300 mil que já impactamos, mas agora vamos realmente querer acelerar esse impacto do nosso trabalho. A primeira coisa é estamos hoje presentes em 45 países, estamos abrindo hoje (dia 24) em Cabo Verde e queremos realmente trabalhar com o país, com a comunidade e queremos fazer essa expansão em 100 países do mundo. Estando representadas em 100 países do mundo, nas suas comunidades, podemos realmente trabalhar mais próximas das populações que precisam (…) E depois disso queremos crescer. E para isso estamos a fazer também uma plataforma digital onde vamos explorar todas as ferramentas para ajudar as mulheres. Porque uma coisa é ter essa comunidade, que é muito importante, mas temos os problemas que são iguais, de certa forma. As mulheres precisam de ferramentas. Primeiro aulas e treinamento para melhorar e ser boa em tecnologia. Por isso temos uma academia, vai ser de graça e online para poder dar acesso para as mulheres.
Acesso a partir de qualquer parte do mundo?
– Exatamente. Segunda coisa, que elas precisam? Mentoria e que pode ser até na escola ou para quem está a liderar uma empresa, mas a mentoria é uma coisa que pode ser necessária uma vida toda. Então, temos uma plataforma também que já fizemos mais de dois mil ‘emparelhamentos’ de mentoras e mentoradas, mas com essa plataforma vai ser mais fácil porque ela utiliza Inteligência Artificial para fazer os pares. Se queremos atingir os cinco milhões não podemos fazer isso manualmente como fazemos agora (risos). A plataforma vai ser lançada daqui a umas semanas. Ainda para poder impactar vamos criar para as empresas que querem recrutar e empregar mulheres, um espaço para disponibilizar as ofertas de trabalho onde as mulheres vão poder também disponibilizar os seus currículos online. Para as startups teremos um venture builder (organizações que apoiam no desenvolvimento de startups) para poder ajudar e dar mais uma vez as ferramentas para as mulheres para que elas possam realmente crescer e ajudar na criação dessas empresas. E para as mulheres que já têm uma empresa queremos ajudar com o financiamento porque sabemos que sem dinheiro não se consegue fazer nada. Como é que vamos fazer isso, porque nós também não temos dinheiro, estamos a criar com parceiros uma crowdfunding onde as mulheres poderão ser também investidoras e também receberem investimentos. Também fazemos eventos, claro. Estamos a criar o nosso espaço no metaverso para poder acolher as mulheres que estão no web3.0, o mais rápido possível.
Sei que nasceu no Brasil, cresceu na África do Sul e atualmente vive em França. Poderá dizer-nos se estes problemas enfrentados pelas mulheres na tecnologia são também uma realidade em África e noutros continentes?
– Infelizmente não existe um país ou um continente no mundo onde não existe esse problema de gender gap (disparidade de género) na tecnologia. Às vezes, o problema é que não temos as mulheres na tecnologia a trabalhar, mas dependendo do país e da área geográfica, a fonte do problema é diferente. Por exemplo, na Europa a fonte do problema é a pipeline (mapa de etapas). Não há muitas meninas optando pela educação na área da tecnologia, são menos de 15 % hoje. Isso no Médio Oriente não existe. Há mais mulheres engenheiras que homens. O problema delas surge depois. Quando terminam os estudos, elas não vão para o mercado de trabalho, ficam em casa, tomando conta do marido, da família. É uma coisa cultural. Os problemas são os mesmos, mas também diversos. No final das contas, mulheres trabalhando em tecnologia, ganhando dinheiro com isso e sendo independentes é a mesma pobreza em qualquer lugar.
Referiu há pouco que a Women in Tech vai ter uma representante em Cabo Verde …
– Sim, temos a Mayra Silva que é a nossa embaixadora. Ela já tem um roadmap (mapa com metas de desenvolvimento) (…) o nosso roadmap é sempre mais ou menos igual: trabalhamos na educação, no empoderamento das mulheres, na mentoria, também queremos ajudar com startups e temos um grande problema de inclusão social digital nas áreas mais pobres, queremos trazer a educação com telemóveis e computadores para essas áreas. E, claro, a advocacia, por isso que é importante estar aqui na Assembleia Nacional para falar com o Governo porque nós sabemos que para poder mudar as coisas temos de ter o apoio do governo por causa das leis e eles conhecem a realidade do que está a acontecer
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