Ativista pan-africana: “A mudança só acontecerá quando nos vermos com outros olhos e começarmos a exigir políticas de ação”

Com o objetivo de quebrar o preconceito e valorizar a memória coletiva, o Movimento Federalista Pan-Africano desenvolve entre os dias 25 e 27 várias atividades como Roda de conversas, Marcha e homenagens ao continente africano e a seus artistas.

O Movimento Federalista Pan-Africano defende um sistema de governo em que os vários Estados Africanos se unem como uma nação, mas cada um deles detém a sua autonomia. Em entrevista ao Balai, a diretora do movimento em Cabo Verde e ativista, Astrid Umaro, fala da importância de se quebrar o preconceito e promover a unidade das nações africanas para pôr fim ao ciclo de crimes, vícios e mortes que assolam o continente.

Formada em Aviação, Astrid Umaro conheceu o Movimento Federalista Pan-Africano por meio de um amigo que veio morar com a sua família em Cabo Verde. Juntamente com outros amigos deram início ao movimento em outubro de 2016 em Cabo Verde. Astrid Umaro entrou meses mais tarde e hoje é a diretora do movimento. Para esta militante, a sede de defender causas sempre esteve presente porque cresceu a acreditar que a sua árvore genealógica vai além dos seus pais e avós, mas foi só depois que iniciou o seu percurso é que descobriu a importância de defender a história do continente.

A ativista explica que por causa do passado colonial de Cabo Verde, o federalismo que o movimento defende poderia não ser visto com bons olhos, por isso optaram por começar com uma sensibilização de dentro para fora e tocar na “ferida” de temas pouco falados no país através de atividades educativas e culturais.

As sessões de consciencialização estão marcadas por atividades como rodas de conversa, transmissão de filmes e debates. A ativista acredita que o preconceito que se tem para com o continente é criado pelas imagens que são passadas na comunicação social, escolas e famílias. Continua que isto provém do processo de ladinização que o cabo-verdiano sofreu, sendo que os africanos têm a tendência de ver os outros continentes como melhores do que o seu. “Ser africano não é só nascer no território, é toda a cultura e ancestralidade que tens no teu interior”, afirma e acrescenta que Cabo Verde tem muitas semelhanças com África e isso só fortalece a ideia da união promovida pelo movimento.

 

“África não começou com o processo de escravatura”

Astrid Umaro aponta algumas medidas para criar a união dos países africanos, o primeiro passa por quebrar a ideia de que o continente é pobre porque a África é rica em diversidade e recursos. Para a militante, os países mais desenvolvidos não estão interessados em resolver os problemas de África, por isso é urgente unir, dialogar e deixar de lado as diferenças.

É por meio do diálogo que a ativista acredita que é possível acabar com o equívoco que perdura há anos sobre a história do continente. “A África não começou com o processo de escravatura, no Egipto, por exemplo tínhamos uma gestão baseada no equilíbrio, por isso quando chegaram as armas não tínhamos como nos defender porque não praticávamos aquilo”, salientou.

O segundo passo é encarar com maior seriedade as datas históricas do país, como, por exemplo, os dias 13 e 20 de janeiro, Dia da Liberdade e Dia dos Heróis Nacionais, respetivamente, e 5 de julho, Dia da Independência. Enquanto participante e organizadora de algumas marchas alusivas às datas, Umaro reconhece que mais pessoas têm participado nas caminhadas que trabalham mas são mais pessoas que trabalham com a história e a cultura do que os cidadãos comuns. “A luta de Cabral foi uma luta de famílias, eles tinham um inimigo comum e por isso se uniram. Hoje não sabemos quem devemos combater e que referências seguir”, lamentou, acrescentando que os outros países conhecem e respeitam mais a história que os países africanos. “A solução é curar os traumas, garantir que a mesma destruição não aconteça e ditar nossas próprias leis”.

Astrid Umaro defende que não se deve virar “as costas” para o mundo, mas sim comunicar e ser-se dono do próprio destino. Romper o ciclo de não ver uns aos outros como irmãos e parceiros. A ativista sublinhou que a atualidade de constante inflação obriga a procurar novos parceiros dentro do continente africano, o que não seria difícil já que alguns países produzem os produtos que Cabo Verde compra no exterior. “África tem condições para andar com os próprios pés e tem todos os recursos”, afiança.

Marxa pa Union di Africa

“Acreditamos que este tipo de trabalho não deve ser feito só por uma organização, temos que andar juntos para que possamos fazer coisas mais fortes”, explicou a ativista acerca do conceito das atividades entre os dias 25 e 27 de maio que têm foco na educação, cultura e política.

A Marxa pa Union di Africa está enquadrada na feira cultural que reúne no Palácio da Cultura Ildo Lobo artesãos, músicos, escritores e artistas que trabalham com o resgate da história e tradição de África. No total, 26 expositores estão confirmados para participar da feira, sendo alguns do Togo, Guiné-Bissau, Senegal, Cabo Verde e outros países. “É uma atividade que representa toda a comunidade africana”.

O segundo dia do festival é voltado para a música em que Azagaia, um rapper moçambicano que faleceu recentemente, será homenageado. “Não podemos falar só dos heróis do passado(…). Azagaia era um artista que escrevia letras às quais era impossível ficar indiferente (…)”, revelou.

O único desejo do movimento é ver as pessoas na rua a festejar e a “honrar a memória (de África), a relembrar a identidade, a rir e a desfilar”. A ativista explica que quem deseja desfilar pode faze-lo via o grupo carnavalesco Bloco Afro Abel Djassi e depois desfilar pelas ruas do Platô até à estatua Amílcar Cabral. “Mesmo que saia uma pessoa, mas acreditamos que devemos fazer a atividade. Os ciclos se iniciam e são encerradas, mas o importante é a luta continuar”, sublinhou. 

Colisão do Movimento Federalista Pan-Africano Cabo Verde

A atividade será encerrada após a criação de uma Colisão do Movimento Federalista Pan-Africano Cabo Verde, um grupo que terá a responsabilidade de representar o país num congresso que acontece na Etiópia. “É uma frente forte que pressiona a política no sentido de se resolver os problemas”, explicou. O trabalho desta colisão é mobilizar o povo, mostrar o federalismo como um modelo de gestão do país e representar cada um dos países que constituem esse grupo.

A meta é continuar a desenvolver palestras e debates nas escolas, para criar um espaço de conversa com a nova geração. A ativista acredita que, em muitos casos, os jovens veem os problemas das suas cidades e localidades, mas acabam por se contentar com esta realidade. “Temos de ver os nossos problemas e não fingir que não existem. A mudança só acontecerá quando vermos a nós mesmos com outros olhos e começarmos a exigir políticas de ação”, ressalva.

Celine Salvador / estagiária

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