Diambi Kabatusuila, a rainha congolesa que ousou assumir a responsabilidade pelo seu povo

Filha de mãe belga e pai congolês, a rainha congolesa Diambi Kabatusuila conta como partiu à descoberta dos seus antepassados e que só soube que a avó paterna era rainha em 2015, depois de confrontar o pai sobre o tema que até então nunca tinha sido abordado em família.

Foi coroada como Rainha Ordem do Leopardo do Povo Bena Tshiyamba de Bakwa Indu, da região central de Kasaï, na República Democrática do Congo em 2016. Desde que “assumiu a responsabilidade pelo seu povo” tem percorrido vários países para falar sobre a necessidade de “restaurar uma identidade africana adequada e sã” e para tal, defende que é preciso uma reconciliação dos africanos e dos afrodescendentes com a sua verdadeira história.

Durante uma entrevista ao Balai em meados de janeiro a líder tradicional, que esteve em Cabo Verde no âmbito do seu projeto Casa da Diaspora, contou como partiu à descoberta das suas raízes e que só soube que a avó paterna era rainha em 2015.

Filha de um diplomata congolês, Diambi Kabatusuila nasceu na Bélgica e quando tinha seis meses, foi morar para a República Democrática do Congo, RDC. Com interrupções pelo meio devido à carreira do pai, cresceu em Kinshasa, capital do Congo, até os 16 anos.

“Aos 16 anos, tive de ir viver na Bélgica. Foi muito difícil. Comecei a perceber todas essas inconsistências e a questionar: Porque é que eles vivem assim? Porque é que não temos essas vantagens e benefícios? Porque é que tudo parece estar tão melhor organizado? Na altura já era mais capaz de comparar. E só de ouvir: Oh, não funciona com vocês (africanos) porque vocês são negros, é como um problema genético. É por isso que nos vossos países há corrupção (…) estava implícito que os negros eram pessoas corruptas. Entendi que precisava entender o porquê”.

Mais tarde foi estudar para os Estados Unidos e começou a conviver com afro-americanos. “Eles eram realmente rígidos sobre a necessidade de saber quem somos. Quando eles olhavam para mim, eles ficavam tipo: “Meu Deus, sabes quem és, és africana”. Mas eu me apercebi que também tinha um défice enorme porque o que sabia sobre mim era o meu lado africano, que era sempre negativo, porque o meu próprio pai era um africano moderno, o que chamamos de africano assimilado, mais ocidentalizado. Viveu na Europa, estudou lá. Casou, voltou, foi cônsul, embaixador (…) Eu não fazia ideia de como era um africano autêntico”.

A futura governante, que, entretanto, se formou em Psicologia, bem como noutras áreas (ver mais abaixo), começou a fazer muita pesquisa e a investigar para saber o que havia em África antes da colonização e dos séculos de tráfico negreiro. “O que restou da nossa cultura e de todas as conquistas e contribuições de África? Quando se fala de direitos humanos, por exemplo, falam na Carta dos Direitos Humanos, de França, os franceses têm muito orgulho disso. Mas porque é que não se fala de que no século XIII o Império do Mali tinha a Carta dos Direitos Humanos, a Carta Mandinga? A maioria dos africanos não sabe disso. Essa é a primeira carta dos direitos humanos que devemos ensinar aos nossos filhos, não a da França que é basicamente uma imitação da-quela que tivemos séculos antes.”

Intrigada, Diambi Kabatusuila começou a ler autores como “Cheikh Anta Diop e várias obras interessantes de autores que fizeram um esforço em dar a imagem correta sobre o continente”.

Diz que começou igualmente a fazer uma avaliação sobre quem era mais humano. “Chamam o meu povo e os meus ancestrais de selvagens, mas como os meus selva-gens nunca foram a lugar algum para tomar a terra de alguém? Como os meus selvagens nunca foram a lugar algum para sequestrar pessoas e colocá-las em servidão? (…) Algo estava errado”, diz e explica que “começou a ter outra perspetiva sobre África.

Nas suas pesquisas entrou no campo da espiritualidade: “ (…) acusam-nos de ser adoradores do demônio. Então, como podemos ser adoradores do diabo, mas desenvolvemos sociedades tão pacíficas onde não havia sequer uma prisão? Sermos quem menos destrói a natureza que Deus criou? Como é que nós que temos todos esses princípios (supostamente negativos) conseguimos viver em paz, na nossa comunidade e com as comunidades ao nosso redor? (…) Quem estudou a história da Europa sabe que “eles se mataram por séculos, sem parar, e eles eram os adoradores de Deus. Tudo se torna um absurdo e nos obriga a fazer perguntas muito desconfortáveis. (…) Quando vamos para o outro lado, começamos a descobrir a beleza da herança dos nossos antepassados. (…) todos esses valores que os meus ancestrais carregaram por milhares de anos agora são bons valores. Agora, temos de ser verdes e orgânicos, preocuparmo-nos com o meio ambiente, temos que amar as árvores, o rio, só agora? Nós dizemos isso há milhares de anos.

Diambi Kabatusuila entendeu que “a herança que recebeu dos seus ancestrais foi importante”, que serviu de premissa para se reconectar com o continente.
“Por volta de 2015, disse ao meu pai que me sentia incompleta porque nunca fui ver a terra onde ele nasceu. Cresci na capital e nunca vi de onde vim e de onde os meus ancestrais vieram. Todo aquele estudo despertou o meu interesse em ver de onde vinha o meu povo. Quando eu abordei o meu pai sobre isso, ele me respondeu que lá não havia nada especial. Eu perguntei: Como assim não há nada? Quero ir. Se não queres ir comigo, vou na mesma”. Eu me apercebi que o pai nunca nos contou muito sobre a nossa família. Eu sabia muito pouco sobre os meus avós. Todos os meus tios viviam em Kinshasa. Eu não sabia o que era a vida do meu pai naquela época, de onde ele vinha, ele nunca compartilhou, era como se ele quisesse esquecer”.

Foi nessa altura que veio a revelação. “Quando mostrei o meu desejo de voltar o meu pai disse-me: Bem, vou te dizer por que tens este nome”. Diambi é um nome congolês e era o nome da avó do meu pai, minha bisavó. E Diambi era uma rainha. Em 2015, que eu soube disso. Questionei o meu pai e ele respondeu que sim, ela era uma rainha, a esposa do rei do nosso povo, Bena Tshiyamba de Bakwa Indu de Kasai (região centro-sul do Congo).

“Quando fores lá (aldeia), eles vão tratar-te de uma certa forma porque és uma princesa”. Eu fiquei tipo, porque é que estás a dizer-me isto agora, na minha idade, porque é que não me disseste isso antes? O meu pai respondeu: “Porque não importava mais, não era relevante saber sobre essas coisas. Precisávamos de nos desligar do nosso passado e seguir em frente”. O meu pai não achou relevante e não é o único. Toda uma geração de pessoas em África não quer olhar para trás, porque acham que quando olharem para trás, tudo o que vão encontrar são estes estereótipos que nos contaram, os selvagens, os canibais, os aldeões, os camponeses (…) O pai não foi diferente de muitos outros africanos”.

A líder tradicional diz que não culpa nem os seus familiares nem outros africanos por esta postura que resulta de um trauma. “Foi dito às pessoas que sigam em frente. E quem iria olhar para trás para encontrar um pai “balançando de árvore em árvore ” e ser identificado com isso? Portanto eu entendo e não os culpa. Mas questionei-me porque é que o meu pai estava a contar-me aquilo naquele momento. Fui partilhar com as minhas irmãs: “Vocês sabiam que o nosso bisavô era rei e a bisavó era a Rainha Diambi e a nossa avó era princesa?” Expliquei-lhes que o nosso pai não falou sobre isso porque para ele não era mais relevante na vida atual, na vida moderna, quanto mais ocidentalizado se é, melhor. A elite é ocidentalizada, os líderes são ocidentalizados. Se queres fazer parte do clube das pessoas decentes, é melhor entrar no processo ocidentalizado. Ele não fez isso por mal”.

Em 2016, quando foi para a aldeia dos seus avós pela primeira vez foi recebida com muita honra, tanto Diambi como a irmã e pai. “Algo bastante interessante é que as pessoas me chamavam de vovó, eles diziam: “Cóco, Cóco” que significa vovó ou vovô. E isso para mim foi estranho. Quando perguntei ao meu pai, ele explicou que era cul-tural: “Tu és quase que uma reencarnação da tua avó, porque têm o mesmo nome. As pessoas te respeitam por causa disso”.

Depois de uma refeição, com o chefe da aldeia que expressou a sua alegria porque Diambi tinha voltado para casa, ele apresentou-a a todos numa pequena cerimônia. “Nós ficamos honrados e achávamos que era só isso. A minha irmã foi-se embora e eu queria também ir ao que eles me disseram que não. “Diambi, temos mais uma pergunta para ti (…) Está pronta para assumir a responsabilidade pelo seu povo?” Essa era a pergunta. Não pensei nem dois segundos e o “Sim” saltou do meu peito.

Na realidade, a futura líder não sabia muito bem ao que tinha dito “Sim”. “Eu disse ‘sim’ por um motivo que até hoje não consigo explicar. E adivinhem quem disse não antes de mim? O meu pai (…). Ele disse que não, não estava interessado em assumir esse cargo porque ele estava a viver em Kinshasa. Então, eles disseram-lhe: “Vamos escolher alguém da sua linhagem para substituir. Não é bem escolher, é fazer a pergunta. Se dizes sim, é sim… “.

Após ter consentido, Diambi recebeu um galo vivo, que representa a liderança e é um símbolo da ambição. “Depois eles colocaram a coroa do nosso povo na minha cabeça e disseram: Parabéns!” Fiquei confusa. O que se estava a passar? E eu respondo: “Sou uma princesa. E eles dizem: Não, você é a rainha. Então, fiquei completamente perplexa com essa experiência e confusa com o que eu ia fazer. Não fui treinada para ser uma rainha, não sabia o que isso significava. Não tinha meios para realizar grandes projetos nas minhas aldeias. O que lhes poderia dar? Nem falo a língua (do meu povo) falo Lingala, que é a língua de Kinshasa, mas não tchilupa (…) Questionei-me o quão bom isto pode ser para eles? Eles me responderam: Não te preocupes com isso”.

Diambi entendeu que o seu “papel é a personificação de herança e da linhagem dos reis que representa”. “Os reis africanos não são governantes (…) não é preciso que alguém dite às pessoas o que fazer… é a personificação e o símbolo de um povo. Eles me disseram: não precisamos que faça nada, apenas pense bem e o seu coração irá lhe dizer o que fazer (…).”

A rainha Diambi Kabatusuila divide a sua residência entre a Flórida, nos EUA, Bruxelas, capital da Bélgica, Kinshasa e ainda “na sua terra onde toda casa é a minha casa tam-bém”. “As minhas aldeias estão em Kasai, os meus territórios são chamados Denbelengue, não chamamos de reinos (…) E eu sou a rainha do povo, do meu povo”. 
Explica que é difícil precisar o número exato de pessoas que compõem o seu povo, mas correspondem a aproximadamente 1.5 milhão “alguns no Congo, mas também no continente africano e na Europa”. “Nós nos espalhámos”.

De regresso aos Estados Unidos, a líder tradicional ainda estava confusa sobre o que poderia fazer pelo seu povo. “Posso ir às minhas poupanças e colocar 10 poços de água”, recorda e diz que ponderou devolver a coroa.

Depois de alguma reflexão, tomou uma decisão. “Senti que precisava ser a voz deles e falar em nome do meu povo num mundo. Porque tantas decisões são tomadas nessas instâncias internacionais e em todo o mundo que vão afetar e já afetaram o meu povo de uma forma muito negativa porque eles nunca se sentarem à mesa de negociações.”

Quis igualmente fazer com que as pessoas refletissem sobre os problemas do sistema. “Não é apenas por nossa causa, é por nossa causa como um coletivo.

Atualmente, está a trabalhar no acesso à água potável nas suas aldeias e depois pre-tende apostar em escolas e postos de saúde. “Quero trazer também motos porque a estrada não temos boas condições”.

Este reinado deu-me autoridade para falar em nome do meu povo e para mostrar uma face digna do nosso passado. Não éramos apenas escravos de selvagens colonizadores. Éramos pessoas incríveis e brilhantes. E isso ainda está lá dentro de cada um de nós. A minha atitude é andar à volta do mundo e mostrar que África é linda, inteligente e dinâmica (…) porque é importante narrativa é importante”.

Construir novas narrativas tem sido por isso um dos seus objetivos. Diambi que tam-bém é rainha no Brasil e no Panamá, dos descendentes congoleses do Panamá e do povo Bantu brasileiro, respetivamente, recorda a sua receção numa escola brasileira: “As meninas que estavam lá olhavam para mim e diziam: Oh Deu Deus, é uma rainha”. porque na narrativa habitual, uma Rainha nunca se parece com elas, nem uma princesa. Mas desta vez, mostrei-lhes que elas também podem ser princesas, rainhas e que elas são lindas. E agora há meninas a brincar de rainha Diambi. Não é mais algo utópico ou imaginário. É real”.

Segundo a biografia oficial, Diambi Kabatusuila é doutorada em Administração Pública e Filosofia. É também pro-fessora de Direito e Ordem Internacional e Mestre em Psicologia Aplicada e em Ciên-cias em Aconselhamento em Saúde Mental.

Trabalhou como terapeuta de saúde mental na infância e dedicou-se igualmente a questões relacionadas com o trauma e a forma como o mesmo afeta a identidade.

Foi também professora e trabalhou por vários anos como Consultora Econômica no Observatório Social Europeu em Bruxelas para a Comissão Europeia e outras agências governamentais na União Europeia.

É fundadora e diretora executiva da Elikia Hope Foundation, vice-presidente da organi-zação sem fins lucrativos FONKABE no Congo, diretora de Relações Públicas do Conse-lho Pan-Africano de Autoridades Tradicionais e Consuetudinárias, no Benim. Preside o Fórum Indígena Mundial com sede em Londres, Reino Unido, além de outras funções que desempenha a nível internacional.

 

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