
Segunda-feira, 5 de Junho, 2023
A pugilista internacional cabo-verdiana é a número 2 da modalidade a nível de África e procura qualificar-se para os Jogos Olímpicos’24.
A jovem pugilista internacional cabo-verdiana Yvanusa “Nancy” Moreira esteve de passagem por Cabo Verde e falou com o Balai sobre como o boxe surgiu na sua vida e de como se está a preparar para a qualificação para os Jogos Olímpicos de 2024.
Nasceu na Praia e cresceu no bairro de Tira-Chapéu, mas à semelhança de outros cabo-verdianos, emigrou ainda em criança, com 8 anos, para Portugal, mais precisamente para a cidade do Porto, onde já estavam os pais. Cresceu no bairro da Areosa e o desporto esteve sempre presente. Primeiro fez atletismo, depois futebol de 11, futsal e, por fim, o boxe que entrou na sua vida já aos 23 anos.
Yvanusa de registo, de criança era chamada de Nelcy pela madrinha, ao chegar na cidade do Porto, uma amiga passou a chama-la de Nancy, assim surgiu o nome que perdura até hoje.
Cresceu no Bairro da Areosa, um bairro que era problemático e na altura em que foi lá morar, Nancy recorda que havia muito preconceito e rivalidades entre etnias. “(…) não sei se me despertou alguma vontade de ser diferente e ir para um ‘bom caminho’. Também cresci numa família com alguns problemas de álcool. Acho isso me definiu porque tive de escolher se queria essa realidade ou ir para um ‘bom caminho’. Então, optei pelo ‘bom caminho’, porque não queria esse exemplo. Por isso sempre optei pelo desporto para fugir dessa vida”.
O boxe não foi amor à primeira vista. Recorda que depois do primeiro treino que fez por insistência de um cunhado, desistiu e não voltou a pôr os pés no treino durante um mês. Regressou e ganhou o gosto. Foi nesta modalidade que conheceu o atual companheiro Jorge Silva, também ele pugilista profissional e treinador.
“Quando entrei para o boxe foi mais pela condição física, para perder peso. Depois a competição foi um bichinho que já tinha, então comecei a competir”.
Chegou a receber o convite para representar Portugal nesta modalidade, mas a prova em que representou este país foi anulada. “Quando tive conhecimento que Cabo Verde tinha uma seleção, optei por representar Cabo Verde”.
O percurso enquanto atleta a representar o arquipélago, “tem sido bom, com altos e baixos e muitas dificuldades”, reconhece Nancy. “Como represento Cabo Verde, os patrocínios em Portugal são mais difíceis porque represento outro país. Então, conto com o meu trabalho para financiar os torneios, que não são financiados pelo Estado (cabo-verdiano) e com a ajuda da minha família”.
Recorda o episódio em que arcou com os custos e foi sozinha representar Cabo Verde no Campeonato do Mundo de Boxe Elite-Feminino 2022, na Turquia, onde acabou por ser apoiada pela equipa técnica brasileira. “A Federação (de Boxe) ajudou-me a fazer a inscrição, mas como eles não tinham a verba (para este torneio), não havia nada a fazer. O torneio estava no plano anual, mas não sei o que aconteceu que não foi possível disponibilizar a verba”.
Diz que estes episódios não lhe tiram a motivação. “Eu trabalho para sustentar o meu desporto. Se não o fizesse, não estaria no nível em que estou. Não vou desistir”, diz a atleta, mas salienta que tem de pensar melhor no investimento que tem feito pois tem recorrido ao orçamento familiar para arcar com as despesas e que depois é difícil de recuperar. Apesar das dificuldades financeiras, não cogita desistir. “Isso nunca”.
Atualmente está a preparar-se para a qualificação para os Jogos Olímpicos 2024 e à procura de apoios para competir em Marrocos no final de janeiro.
Durante a visita a Cabo Verde, fez treinos bidiários, uma rotina à qual está habituada já que no Porto treina duas vezes ao dia e pelo meio ainda gere uma hamburgueria com o marido, um empreendimento que surgiu durante a pandemia e que lhes tem permitido aumentar o orçamento familiar. “É um dia inteiro a correr. Também dou aulas de boxe”.
Concilia esta dinâmica com a função de mãe de dois, já que também tem a seu cuidado um sobrinho de 10 anos. Diz que aos filhos não impõe o boxe, desde que treinem alguma modalidade.
Incentivar o desenvolvimento da modalidade em Cabo Verde
Nancy conta que tem procurado desmistificar a ideia de que o boxe é um desporto violento. “O boxe é um desporto olímpico onde o mais inteligente é que vence e pontua
mais. Não é sobre “bruteza”. As meninas, por vezes, têm medo que o boxe as leve a ficar com um corpo masculino, mas podem olhar para mim e ver que não tenho o corpo assim, então elas podem seguir este desporto”, comenta com um sorriso.
Paralelamente, a jovem procura incentivar o desenvolvimento da modalidade que pratica em Cabo Verde. Tem estado a apoiar a escola Believe, em Tira-Chapéu. “O meu objetivo é arranjar-lhes um espaço para que eles possam treinar”, diz Nancy e revela que já trouxe material desportivo para a escola. Quer apoiar a escola para que todos os meses possam fazer minitorneios e ajuda-los na alimentação. A iniciativa visa manter as crianças ocupadas numa atividade desportiva e combater a delinquência juvenil.
Ser campeã exige dedicação e sacrifício, afirma Nancy e também cuidados físicos e com a alimentação. “Há que ser forte para optar por esse caminho”.
PowerList das 100 Personalidades Negras mais influentes da Lusofonia
Em dezembro, a atleta foi eleita uma das 100 Personalidades Negras mais influentes da Lusofonia. Uma distinção que a deixou feliz e que no seu entender representa um reconhecimento do trabalho que tem feito. “Prova que o esforço que tenho feito não é em vão. Que estou a conseguir incentivar outros jovens, mulheres, mães, e que mesmo com todas as atividades que tenho feito, tenho conseguido ser uma atleta bem-sucedida”.
Nancy, que desde a pandemia que não tem vindo a Cabo Verde, diz, entre risos, que é mais reconhecida na rua quando está com as luvas. “É engraçado, mas lá está pensam que como faço boxe tenho de ter uma aparência masculina, mas até é o contrário, fiquei mais vaidosa quando comecei a fazer boxe”.
Jogos Olímpicos de Paris
Nancy Moreira que é bolseira olímpica procura agora qualificar-se para os Jogos Olímpicos de Paris de 2024.
Gostaria de dedicar-se a 100 por cento ao boxe, já que a qualificação é este ano em agosto, mas afirma que só o poderia fazer se tivesse apoios financeiros porque, sem isso, teria de continuar a conciliar os treinos com o trabalho na hamburgueria, que é a sua fonte de renda principal.
“Estou a ver parcerias para poder deixar o trabalho pelo menos durante este ano”, salienta e diz que se sente relutante em fechar a hamburgueria, mas teria de o fazer para se dedicar aos treinos em exclusivo.
Atualmente, vai iniciar a época de estágios em países como a Irlanda, depois na Holanda, e em março vai ao Mundial. “Quero ir bem preparada para chegar mais longe possível”, assevera e explica que estas provas que lhe dão ranking para subir no ranking a nível mundial.
“Estou na quinta posição a nível mundial e em África sou a número 2. Se fosse hoje já estaria qualificada, porque são os números 1 e 2 que estão qualificadas. Mundialmente é bom subir cada vez mais no ranking porque te dá regalias e é bom Cabo Verde estar no topo, mas para isso temos de participar nos torneios que são de grande custo”.
E para estar bem preparada tem de participar no máximo de torneios possível até agosto, salienta.
Aos jovens pede que lutem pelos seus sonhos que não desistam com tantas dificuldades, “mesmo sendo mães, donas de casa ou empresarias, se têm outro sonho, que lutem porque um dia o retorno vem, se houver dedicação”. “Como aconteceu comigo, se houver dedicação, vocês conseguem”.
Reconhece que os atletas cabo-verdianos têm talento, comparando inclusive com atletas de outros países onde a modalidade está mais desenvolvida, mas precisam de mais apoios, melhores condições de treino, etc. Apesar de salientar que “não é o ginásio que faz o atleta, digo-lhes isso, o que diferencia é a tua vontade (…) podes aprender o boxe em qualquer lugar”, mas as condições que encontrou na cidade da Praia acredita que podem ser melhoradas.
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