Praienses saem à rua e pedem mudanças na capital e no país

A manifestação promovida pela rede das associações comunitárias e movimentos sociais da Praia (RACMS) juntou hoje, dia 19, mais de mil pessoas que percorreram várias artérias da cidade da Praia. O objetivo da RACMS é que esta manifestação tenha um caráter anual.

“O país e a cidade (da Praia) não estão bem”, começou por dizer nas suas declarações à imprensa Bernardino Gonçalves, porta-voz da rede das associações comunitárias e movimentos sociais da Praia (RACMS). “No mês de julho eles fazem o debate do Estado da Nação enquanto nossos representantes. Em agosto, nós vamos passar a dizer o que é o Estado da Nação para nós e para nós o Estado precisa de ser mais sério na gestão dos bens que são de todos”.

Consciente de que qualquer mudança leva o seu tempo, o representante da organização da manifestação ‘Stadu di Nason’ salientou que esta manifestação é “um momento para reforçar a democracia” e para mostrar aos governantes que o povo está atento ao que está a ser feito e “não aceita que a participação aconteça apenas no dia do voto”.

Quanto às denúncias de que haveria interesses partidários por detrás desta iniciativa, Bernardino Gonçalves respondeu: “É normal porque quem hoje está a afirmar que esta manifestação não é da sociedade civil, houve uma altura em que também o fez e hoje se revê neste papel. Mas a nossa mensagem é clara, a RACMS é formada por associações que estão nos bairros no dia-a-dia com as pessoas e que veem o que está a acontecer. Portanto é fácil para nós sentir que “Sima Sta Nu ka Podi Fika””.

O representante da organização salientou ainda que existe um longo caminho a percorrer em Cabo Verde a nível da cidadania ativa, algo que só é possível através da educação. “A nossa democracia ainda é muito frágil e precisamos de fazer mais ações de rua e mais ações educativas para tornar as pessoas mais disponível a ouvir o outro, não estar de acordo e não o considerar como inimigo”.

Bernardino Gonçalves que explicou ainda que o objetivo da RACMS é que esta iniciativa seja anual, defendeu que a luta é de todos para que “as pessoas possam expressar a sua opinião sem medo e não ter de pagar pelas consequências de o ter feito”. 

Presente na manifestação, o artista plástico Tutu Sousa explicou que aderiu à manifestação por “estar consciente do estado em que se está a viver”. “Não temos justiça, não temos segurança, educação, saúde, não temos nada a funcionar no país. Só quem não está consciente não vê que o país não está bem”, afirma e salienta que não se trata de uma questão de ser contra ou a favor o partido A ou B, nem ser contra o Governo.

Para este artista cabo-verdiano, as pessoas em Santiago ainda têm algum medo de aderir a estas iniciativas, mas salienta que o povo tem de sair à rua para mostrar que não está contente e que “quem está no poder deve melhorar”. “Cada um de nós é um Cabral”, recorda.

Já a analista política Rosário Luz também fez questão de estar presente na manifestação cívica e explicou os motivos: “Se tens uma governação adequada, não precisas de sair à rua porque tens canais para discutir o que está mal. Quando a governação é surda tens de sair à rua”.

A analista teceu severas críticas em relação à forte presença policial na iniciativa que considerou além de excessiva ter sido “deliberada e com um determinado fim que é impedir que haja uma concentração tão grande”. “Eles não estão cá para tentar gerir qualquer situação de segurança que possa surgir, nem para tentar controlar uma multidão, mas sim para dissuadir os crioulos que sabem que são medrosos. As pessoas que chegam cá, que ainda não têm uma decisão tomada e que veem este cordão policial, dão meia volta e vão-se embora”.

Rosário Luz que também partilha da opinião de que há falta de cidadania ativa em Cabo Verde, “caso contrário haveria mais umas duas ou três mil pessoas na manifestação”, disse ainda não ter expectativas quanto às consequências desta manifestação.

“Não tenho nenhum tipo de esperança que esta manifestação produza algum efeito prático na governação. A minha esperança é que a cidadania vai aumentar e que nas próximas eleições estaremos preparados com outras forças políticas, com outras atitudes e com mais vergonha na cara para que não sejam sempre enganados”.

A manifestação que começou com algumas centenas de pessoas no centro histórico da cidade da Praia, Platô, foi ganhando mais participantes e ao chegar à Várzea, depois de passar pela Fazenda, já ultrapassava as mil pessoas que entoavam palavras como “Sima Sta Nu ka Podi Fika”, “O povo unido jamais será vencido”, “queremos mais justiça”, “abaixo o Governo”, entre outras palavras de ordem.

Perante a presença de três fileiras de policiais, alguns armados com bastões, os manifestantes começaram a vaiar o contingente presente em frente ao Estádio da Várzea e que impedia a passagem para o Palácio do Governo, como aliás já tinha sido informado pela organização da manifestação nas redes sociais.

Os participantes seguiram para a Achada Santo António, sempre acompanhados por agentes da PN. Na Avenida Combatentes da Liberdade da Pátria, a fileira dos manifestantes já se estendia do Arquivo Histórico à rotunda da Shell.

Sempre com palavras de ordem, com a predominância do slogan da organização – “Sima sta nu ka podi Fika” – os participantes subiram para a A.S.A e foram recebidos por um contingente de cerca de 120 polícias, segundo contas dos jornalistas no local, que impediam a passagem para a Avenida OUA em frente à Assembleia Nacional, facto que também já tinha sido informado pela RACMS.

Em frente à barricada, a organização pediu aos manifestantes que sempre mantivessem a calma e os ânimos dos presentes só se alteraram nas palavras de ordem. A presença dos agentes da PN foi novamente criticada pelos manifestantes. “Quando precisamos deles nos nossos bairros não aparecem, mas agora estão aqui em massa”, afirmou uma cidadã praiense que preferiu não ser identificada.

Segundo Leonilde “Nilde” Lima da Associação dos Escuteiros de Cabo Verde, que também pertence à RACMS, a adesão das pessoas à manifestação superou as expectativas da organização. “As últimas manifestações que têm acontecido têm tido pouca adesão, então (esta) foi excelente, não estávamos à espera de tanto”, afirmou e adiantou que pelas contas iniciais da organização o número de presentes superou as mil pessoas.

Leonilde Lima salientou ainda que “o direito não se expressa apenas nas urnas, mas também na manifestação”. Quanto ao contingente policial presente no local e que foi fortemente criticado, Lima esclareceu que a organização solicitou a presença da polícia e que articulou o trajeto da manifestação previamente com as forças de segurança. “Talvez porque o número de pessoas que aderiu foi superior ao esperado, a polícia teve de reforçar a sua presença (…)”, salientou a líder associativa.

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