Especialista alerta para perigos da reincidência criminal e defende que combate ao crime passa pela educação

O sociólogo Henrique Varela alertou hoje para os perigos do aumento da reincidência criminal na camada juvenil e defendeu que, não obstante aos trâmites legais da Justiça, deve-se trabalhar na prevenção recorrendo à educação e não à repreensão.

O especialista e professor do Liceu Amílcar Cabral, em Assomada, defendeu esta posição em entrevista exclusiva à Inforpress na sequência da polémica instaurada a volta da prisão preventiva dos 44 detidos numa mega-operação efetuada em conjunto pela Polícia Nacional e pela Polícia Judiciária no bairro da Achada de Santo António.

Em ‘posts’ nas redes sociais, organizações da sociedade civil, associações e internautas posicionaram-se contra este modelo de justiça. Henrique Varela esclareceu que para evitar essas situações é preciso consciencializar a população sobre o papel da família e da sociedade no combate à criminalidade.

Um combate que passa também, frisou este especialista, por uma aposta “forte” na educação que, no seu entender, é fundamental para “corrigir, orientar e preparar” o indivíduo, desenvolvendo programas de prevenção contra a delinquência juvenil num trabalho em rede a começar pelas famílias, escolas, igrejas e grupos sociais.

“Se não conseguirmos trabalhar na prevenção, nenhuma garantia vamos ter de que, com a repreensão e prisão, vamos diminuir a criminalidade”, sublinhou, acrescentando que não há medidas 100 por cento (%) eficazes contra o crime, mas, no entanto, existem lacunas que devem ser trabalhadas para que estes não sejam focos de reincidências criminais.

Na opinião de Henrique Varela, a família deve funcionar como uma escola de valores, incutindo nos filhos até aos 14 anos de idade, os princípios morais porque, segundo alertou, ao passar desta fase torna-se muito mais difícil este processo.

“Tendo o défice comportamental, chega o momento em que o indivíduo não consegue adequar comportamentos corretos porque no momento em que deveria assimilar esses comportamentos na escola de valores, a família não cumpriu esse papel” elucidou, defendendo que os progenitores devem assumir na “plenitude” as responsabilidades para com os filhos.

Instado sobre o cenário para daqui a 10 ou 15 anos, caso a situação se mantenha, Henrique Varela avançou que pode ser tanto pela positiva como pela negativa, dependendo de ações implementadas hoje, daí que defendeu políticas assertivas para um futuro de harmonia e tranquilidade social em Cabo Verde.

Por seu turno, o presidente da Associação Kelém, Gerson Pereira, avançou que a prisão preventiva é um método necessário em muitos casos, mas que, entretanto, não tem funcionado na camada mais jovem. Segundo o mesmo, não se pode rotular um jovem de 17 ou 18 anos de criminoso, colocando-o numa cela acreditando que se está a combater o crime.

Para este responsável são necessárias políticas voltadas à reinserção social, trabalhar na prevenção e no fomento do desporto, das artes, desenvolvendo habilidades, capacidades e talentos dos jovens através da criação de programas de empreendedorismo, de incentivo ao voluntariado e formação profissional para os jovens de baixa escolaridade.

Gerson Pereira recordou o primeiro estudo feito em 2019 pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE) que revelou que, apesar da taxa de alfabetização elevada, ou seja, de 88% entre os presos, a maioria, cerca de 50,2% tinha apenas o ensino básico e no momento da detenção somente 7,4% estavam a frequentar o ensino.

Os dados apontaram ainda para uma percentagem significativa dos reclusos que começaram a cometer os primeiros crimes a partir dos 15 e 21 anos de idade, sendo a grande maioria, 43%, indiciados por roubos, seguido de homicídio que se situa em 28%.

Ainda quanto às medidas de combate ao crime, a mesma fonte defendeu a criação de políticas colaborativas de segurança comunitária envolvendo atores da sociedade civil, o empoderamento das organizações e o reforço da coesão familiar, dispensando uma atenção especial às crianças.

Segundo explicou, a maioria dos jovens sai de famílias desestruturadas, pai ou mãe ausente com problemas de alcoolismo, daí a necessidade de apostar no empoderamento mental e económico das famílias.

Quanto aos trabalhos realizados pela associação que lidera, avançou que o projeto “Nkre Studa” desenvolvido junto dos familiares dos reclusos e do Fundo de Apoio ao Negócio, com o objetivo de pagar as propinas aos jovens que perderam a oportunidade de continuar os estudos nas escolas públicas, apostando também no desporto para manter os jovens longe do mundo do crime.

“Este ano submetemos uma proposta ao projeto no Ministério da Família Inclusão e Desenvolvimento Social voltado para a inclusão produtiva dos 20 jovens da zona” realçou o mesmo indicando que é para a obtenção de cartas de condução, formação em negócio e “kits” de empreendedorismo.

Instado sobre os desafios, o presidente da associação indicou a falta de recursos e um espaço próprio como os maiores constrangimentos, à semelhança das outras organizações, e reclamou que, apesar de o bairro de Achada Santo António ser o mais populoso da ilha, não tem um polidesportivo ou um espaço de atendimento aos jovens.

Conforme asseverou, há reclusos em situação de exclusão social que procuram as associações para pedir apoios na busca de um rendimento para a família. Uma solicitação prontamente atendida pela Associação Kelém que vê nas atividades comunitárias como limpeza, pintura e outros, uma forma de lhes dar assistência e manter fora das influências das ruas.

“Temos programas que são desenvolvidos nas cadeias centrais, mas que não têm continuidade aqui fora, os conhecimentos e habilidades adquiridos ali dentro não servem de nada praticamente, é um novo recomeço, nova reconstrução e quase sempre individual”, concluiu.

O Tribunal da Praia ordenou, no passado domingo, 12, a prisão preventiva de 44 arguidos de Achada de Santo António, tendo outros seis ficado em liberdade com o dever de apresentação periódica ao tribunal, após submetidos aos primeiros interrogatórios judiciais.

Dos 44 enclausurados, 34 foram detidos quinta-feira, 09, na sequência de uma mega-operação conjunta da Polícia Nacional e da Polícia Judiciária na Achada de Santo António, os quais se juntaram a outros 10 que já se encontravam nesta condição.

A diligência teve como propósito realizar uma intervenção rápida para fazer face à onda de criminalidade que vinha assolando a Cidade da Praia, razão pela qual foram realizadas várias operações no terreno, na sequência das quais o Ministério Público ordenou a detenção, fora de flagrante delito, de 35 indivíduos.

Inforpress

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