
Domingo, 24 de Setembro, 2023
Fonte Bila, a extensa praia de areia negra classificada como a 28ª praia mais bonita de África, tem o mesmo simbolismo e valor para os foguenses como Laginha, Santa Maria, Prainha e Quebra-Canela têm para São Vicente, Sal e Praia.
Este é um dos argumentos apresentado pela Associação Projeto Vitó para travar a extração de areia para construção civil na praia de Fonte Bila, a principal praia balnear de São Filipe, com grande valor e simbolismo para os foguenses que a utilizam para prática de desporto náutico e atividades de lazer e recreio ao longo do ano.
O Projeto Vitó, em concertação com todas as organizações não-governamentais, ONG, que fazem parte da Comissão Organizadora da Rede de Conservação Ambiental de Cabo Verde, TAOLA +, depois de uma abordagem com a Direção Nacional do Ambiente, acionou o Ministério Público no sentido de suspender o despacho governamental que autoriza apanha de areia na referida praia.
“Sendo o Ministério Público o órgão da defesa dos direitos dos cidadãos e interesses coletivos difusos, a Associação Projeto Vitó solicita a intervenção deste visando a suspensão do despacho e a indicação de outra alternativa à obtenção de areia para a satisfação das necessidades de construção civil em carácter de urgência”, refere o documento entregue na Procuradoria da Comarca de São Filipe e ao Departamento Central de Interesses Difusos do Ministério Público, na Cidade da Praia.
Não obstante, a confirmação da receção do requerimento a solicitar a intervenção, quer a nível local quer central, o Ministério Público ainda não reagiu e o processo de extração de areia começou no dia 06 de Junho com emissão de mais de cinco dezenas de licenças.
O diretor executivo do Projeto Vitó, Herculano Dinis, disse que a sua ONG tomou conhecimento do despacho conjunto dos Ministérios do Mar e da Agricultura e Ambiente, no dia 16 de Maio e dois dias depois, em articulação com a Rede TAOLA +, preparou, com apoio de um jurista que apoia a rede toda a argumentação a justificar a anulação do despacho.
Uma das argumentações é que a ilha do Fogo é uma Reserva Mundial da Biosfera e todos os três sectores da sociedade, governo, poder local e sociedade civil estão a desenvolver esforços para a implementação da reserva, mobilizando fundos através do Fundo do Ambiente de Portugal, Ceida e Fundo Global para o Ambiente (GEF) para uma gestão baseada no desenvolvimento sustentável e conservação de recursos, classificando o despacho de “uma agressão” e que contraria a estratégia definida pelo próprio governo em estabelecer as duas Reservas de Biosfera em Cabo Verde, Fogo e Maio.
A segunda argumentação apresentada pelo diretor executivo do Projeto Vitó prende-se com a legislação de Conservação das Tartarugas Marinhas, lembrando que é um decreto-lei especial que define um regime jurídico de proteção de tartarugas.
Herculano Dinis observa que despacho coincide com um terço da época de desova de tartarugas que se prolonga de Junho a Novembro, e a extração é autorizada de Junho a 31 de Julho, acrescentando que ao longo de um terço da desova vai ser perturbado com circulação de camiões e extracção diária na principal praia de desova da ilha que tem registado, em média, 200 ninhos nas últimas/temporadas e nos últimos quatro anos.
“Podia ser feito em qualquer outra altura do ano e não em plena época de desova de tartaruga quando o próprio governo está a dar orientação às ONG para preparar e implementar campanha de conservação de tartarugas”, desabafou o responsável do projeto Vitó.
A mesma fonte indica que existem alternativas na ilha para extração de inertes, indicando que estão instaladas duas pedreiras, uma na zona de Tinteira/Baleia e outra na Almada, além de um “amontoado enorme” de areia que é levado pelo vento em terrenos agrícolas na zona de Salinas, mais que suficiente para suprir toda a necessidade de areia que existe no mercado atual de construção civil da ilha.
“É mais complexo e é uma solução que exige um pouco mais de trabalho político, mas é uma alternativa viável que evita degradação direta na praia de desova”, disse, observando que a autorização para apanha na praia deve-se ao facto de estar ao pé da cidade e é mais fácil, e o valor que é praticado no mercado compensa muito mais que arranjar outros mecanismos.
“O que é mais fácil e que gera muito recurso no imediato, a longo prazo terá consequência irreversível que é degradação definitiva da praia”, afirmou Herculano Dinis, indicando que todos que conhecem a praia de Fonte Bila, há mais de 30 anos, vê que a mesma regrediu de tal maneira que está quase irreversível.
Para além de ser uma das mais bonitas praias de África, Fonte Bila representa um mecanismo natural da proteção da própria cidade de São Filipe, situada acima de uma falésia de grande altitude, com quase 200 metros, observando que, continuando com o ritmo da sua degradação, a qualquer momento pode ocorrer queda da parte da cidade.
Na quarta-feira a equipa do Projeto Vitó vai estar no local para apelar e demonstrar a importância de garantir a preservação dos recursos naturais como garantia da sustentabilidade futura da ilha, descartando por hora a realização de manifestação pública.
Caso a associação não obtiver feedback, como ações futuras, Herculano Dinis avançou que a Rede TAOLA equaciona contactar o gabinete da Unesco para apresentar uma reclamação direta desta “grande degradação ambiental” que está sendo provocada dentro da Reserva da Biosfera.
Outras medidas que poderão ser adotadas passam pela recolha de assinaturas para um abaixo-assinado de pessoas da ilha que estão contra esta prática numa praia de nidificação e balnear, mas também a promoção de uma manifestação pública para ver se consegue dar luta e trabalhar numa solução a longo prazo e de forma mais sustentável.
Contrariamente à ideia defendida por alguns de que a recarga de areia é feita pelas cheias e enxurradas, Herculano Dinis enumerou um conjunto de praias que foram degradadas e em nenhum caso viu a recuperação com as chuvas ou enxurradas e se acontecer leva centenas ou milhares de anos, o que põe em causa a sustentabilidade.
“Inteligentemente temos de reverter a situação atual com a suspensão da extração da forma como está sendo feito nas praias, com mais de 50 camiões por dia, e não esperar que venha a ser reposta de forma natural, que é um processo que não temos garantia que vai acontecer”, desabafou.
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