- Adilson Dias, Opiniao
- Maio 28, 2023
- 7:00 am
- Adilson Dias
As Romarias de Porto Novo – Entre a promessa de um Museu Nacional e a realidade de um Museu Local

Estamos no ano de 2023, entoam-se as promessas de criação do Museu das Romarias de Porto Novo; promessa que escutamos desde a década de 80 do século passado, pese embora, na arena técnica e política, ainda não se conseguiu definir se será um Museu Municipal, Regional ou Nacional.
Até então, a decisão para sediar o museu na Cidade do Porto Novo, é política e por considerar que as Festas de Son Jon Betista de Porto Novo é a maior Romaria de Cabo Verde. Esta quantificação/qualificação é fundamentada no fato de ser a única festividade que se faz uma peregrinação de quase 50 km entre buscar o Santo no dia 23, e devolvê-lo à Ribeira das Patas, no dia 25 de junho.
Independentemente das decisões políticas ou da indefinição no conceito de museu que se quer implementar, certo é que o Município do Porto Novo e suas gentes, continuam a reivindicar a construção do seu museu para salvaguardar as Festas de Son Jon Betista e demais Santos Populares do município.
Hoje, as festas de Son Jon Betista caminham para um outro patamar. As dinâmicas sociais a que a Cidade do Porto Novo tem assistido, e a natural revitalização das festas, obrigaram a uma nova organização do espaço de materialização das festas de São João. Uma novidade que do ponto de vista estrutural, logístico e de organização, garante, em teoria, um maior aproveitamento das festas, porém, está-se perdendo a espontaneidade dos festejos, a naturalidade do toká tambor e kolá Son jon revoltiôd.
Hoje, para além da missa, o que mais chama atenção é o desfile quase carnavalesco, com grupos organizados, com uma peregrinação marcada pelo ostentação e desfile de grandes marcas de seguradoras, grupos de telecomunicações entre outros, perdendo assim o caráter tradicional das roupas de saco, dos sapatos de pele (alberka), dos bli d´aga; a tradição do fgid de kasa e do assá fungim já se escasseia e o Krè nevzin, ou o entoar dos vários tipos de toká tambor vai-se diluindo no tempo, num ritmo alucinante.
Por isso, em 2012, foi implementado o projeto “Centro Interpretativo de Son Jon Betista”, um projeto piloto, cujo compromisso maior era de continuar a trabalhar para se ter o “Museu das Romarias” ou “Museu Nacional das Romarias de Porto Novo”.
Passados todos esses anos sem se poder definir o conceito, sem poder trabalhar nas bases existentes desde 2012, os santantonenses continuam sonhando com o Museu Nacional das Romarias ou do Museu das Romarias de Cabo Verde, em Porto Novo, sonho que a meu ver, deve continuar a ser acalentado, pese embora a sua concretização depende, e muito, daquilo que for o conceito apresentado.
Se olharmos para o arquipélago, a riqueza do património imaterial ligado aos santos populares é variada, pelo que a sua representação num projeto museológico deve levar em consideração 3 fatores decisivos – 1. A dispersão e complexidade territorial das manifestações e dos territórios de execução; 2. A representatividade e simbolismo das festas; 3. Os elementos matérias associados e demais práticas de execução das festas.
Estes fatores são primordiais para se pensar no conceito de museu que se quer, para se definir o espaço temporal técnico de investigação e elaboração do projeto, e o tempo político para a sua execução. É aqui que surgem alguns questionamentos. Será o museu um espaço territorialmente definido em Santo Antão? será um museu polinucleado, onde Porto Novo é sede e as demais zonas, localidades, povoados, ribeiras e cutelos de Cabo Verde, onde se festejam os santos populares, ganharão seus núcleos museológicos para complementar a narrativa das festas juninas no museu em Porto Novo? As comunidades e territórios de memórias ligadas às festas de romarias terão igualdade e equidade no acesso ao bem musealizado?
São os fatores e questionamentos acima que me fazem, enquanto filho de Santo Antão e do Município do Porto Novo, clamar para a necessidade e possibilidade real de criação do Museu das Romarias de Porto Novo. Um projeto que pode e deve ser pensado pela Câmara Municipal do Porto Novo, para salvaguardar o seu rico património imaterial e todos os bens e práticas a ele associado.
Por outro lado, se se quer que o projeto seja mais ambicioso no contexto de toda a ilha, devia-se começar a refletir num Museu das Romarias da Ilha de Santo Antão, com sede na Cidade do Porto Novo, onde a narrativa museológica seria centrada em todas as romarias da ilha, do 1º de maio de Lagoa à Santa Cruz do Coculi, passando pelas festas de Lumbim e Santo António no Paúl, Son Jon e Son Junzin de Porto Novo e Ribeira das Patas, São Paulo, São Paulino e São Pedro em Garça/Chã de Igreja, Santo André, entre outros.
Posto isto, a única certeza que tenho é que urge musealizar as festas de Son Jon Betista do Porto Novo, numa perspetiva da sua salvaguarda, mas também numa lógica da sua colocação ao serviço do município e do seu desenvolvimento, no empoderamento das comunidades e territórios de execução e na sua exploração enquanto recurso sustentável ao serviço do turismo cultural que se quer acoplar ao forte turismo de natureza/montanha que existe na ilha.
Por Adilson Dias Ramos – Gestor de Património Cultural
Maio de 2023

Adilson Dias
Gestor de Património Cultural. Natural da ilha de Santo Antão, filho da zona de Espongeiro, sou um apaixonado pela cultura cabo-verdiana e sua riqueza patrimonial. Sempre atento a realidade do meu país, tenho nos museus a minha fonte de conhecimento e de inspiração para analisar e perceber as dinâmicas socioculturais de Cabo Verde, com especial atenção às minhas ilhas de Santo Antão e Santiago.
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