As Romarias de Porto Novo – Entre a promessa de um Museu Nacional e a realidade de um Museu Local

As Romarias de Porto Novo – Entre a promessa de um Museu Nacional e a realidade de um Museu Local

Mais uma época de festas de romarias, mais uma promessa de Museu das Romarias para o Porto Novo…mais um Son Jon Betista sem museu…mais um ano te oiâ nevzin te kré sem museu p kambá!

Estamos no ano de 2023, entoam-se as promessas de criação do Museu das Romarias de Porto Novo; promessa que escutamos desde a década de 80 do século passado, pese embora, na arena técnica e política, ainda não se conseguiu definir se será um Museu Municipal, Regional ou Nacional.

Até então, a decisão para sediar o museu na Cidade do Porto Novo, é política e por considerar que as Festas de Son Jon Betista de Porto Novo é a maior Romaria de Cabo Verde. Esta quantificação/qualificação é fundamentada no fato de ser a única festividade que se faz uma peregrinação de quase 50 km entre buscar o Santo no dia 23, e devolvê-lo à Ribeira das Patas, no dia 25 de junho.

Independentemente das decisões políticas ou da indefinição no conceito de museu que se quer implementar, certo é que o Município do Porto Novo e suas gentes, continuam a reivindicar a construção do seu museu para salvaguardar as Festas de Son Jon Betista e demais Santos Populares do município.

Hoje, as festas de Son Jon Betista caminham para um outro patamar. As dinâmicas sociais a que a Cidade do Porto Novo tem assistido, e a natural revitalização das festas, obrigaram a uma nova organização do espaço de materialização das festas de São João. Uma novidade que do ponto de vista estrutural, logístico e de organização, garante, em teoria, um maior aproveitamento das festas, porém, está-se perdendo a espontaneidade dos festejos, a naturalidade do toká tambor e kolá Son jon revoltiôd.

Hoje, para além da missa, o que mais chama atenção é o desfile quase carnavalesco, com grupos organizados, com uma peregrinação marcada pelo ostentação e desfile de grandes marcas de seguradoras, grupos de telecomunicações entre outros, perdendo assim o caráter tradicional das roupas de saco, dos sapatos de pele (alberka), dos bli d´aga; a tradição do fgid de kasa e do assá fungim já se escasseia e o Krè nevzin, ou o entoar dos vários tipos de toká tambor vai-se diluindo no tempo, num ritmo alucinante.

Por isso, em 2012, foi implementado o projeto “Centro Interpretativo de Son Jon Betista”, um projeto piloto, cujo compromisso maior era de continuar a trabalhar para se ter o “Museu das Romarias” ou “Museu Nacional das Romarias de Porto Novo”.

Passados todos esses anos sem se poder definir o conceito, sem poder trabalhar nas bases existentes desde 2012, os santantonenses continuam sonhando com o Museu Nacional das Romarias ou do Museu das Romarias de Cabo Verde, em Porto Novo, sonho que a meu ver, deve continuar a ser acalentado, pese embora a sua concretização depende, e muito, daquilo que for o conceito apresentado.

Se olharmos para o arquipélago, a riqueza do património imaterial ligado aos santos populares é variada, pelo que a sua representação num projeto museológico deve levar em consideração 3 fatores decisivos – 1. A dispersão e complexidade territorial das manifestações e dos territórios de execução; 2. A representatividade e simbolismo das festas; 3. Os elementos matérias associados e demais práticas de execução das festas.

Estes fatores são primordiais para se pensar no conceito de museu que se quer, para se definir o espaço temporal técnico de investigação e elaboração do projeto, e o tempo político para a sua execução. É aqui que surgem alguns questionamentos. Será o museu um espaço territorialmente definido em Santo Antão? será um museu polinucleado, onde Porto Novo é sede e as demais zonas, localidades, povoados, ribeiras e cutelos de Cabo Verde, onde se festejam os santos populares, ganharão seus núcleos museológicos para complementar a narrativa das festas juninas no museu em Porto Novo? As comunidades e territórios de memórias ligadas às festas de romarias terão igualdade e equidade no acesso ao bem musealizado?

São os fatores e questionamentos acima que me fazem, enquanto filho de Santo Antão e do Município do Porto Novo, clamar para a necessidade e possibilidade real de criação do Museu das Romarias de Porto Novo. Um projeto que pode e deve ser pensado pela Câmara Municipal do Porto Novo, para salvaguardar o seu rico património imaterial e todos os bens e práticas a ele associado.

Por outro lado, se se quer que o projeto seja mais ambicioso no contexto de toda a ilha, devia-se começar a refletir num Museu das Romarias da Ilha de Santo Antão, com sede na Cidade do Porto Novo, onde a narrativa museológica seria centrada em todas as romarias da ilha, do 1º de maio de Lagoa à Santa Cruz do Coculi, passando pelas festas de Lumbim e Santo António no Paúl, Son Jon e Son Junzin de Porto Novo e Ribeira das Patas, São Paulo, São Paulino e São Pedro em Garça/Chã de Igreja, Santo André, entre outros.

Posto isto, a única certeza que tenho é que urge musealizar as festas de Son Jon Betista do Porto Novo, numa perspetiva da sua salvaguarda, mas também numa lógica da sua colocação ao serviço do município e do seu desenvolvimento, no empoderamento das comunidades e territórios de execução e na sua exploração enquanto recurso sustentável ao serviço do turismo cultural que se quer acoplar ao forte turismo de natureza/montanha que existe na ilha.

Por Adilson Dias Ramos – Gestor de Património Cultural
Maio de 2023

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on pinterest
Adilson Dias

Adilson Dias

Gestor de Património Cultural. Natural da ilha de Santo Antão, filho da zona de Espongeiro, sou um apaixonado pela cultura cabo-verdiana e sua riqueza patrimonial. Sempre atento a realidade do meu país, tenho nos museus a minha fonte de conhecimento e de inspiração para analisar e perceber as dinâmicas socioculturais de Cabo Verde, com especial atenção às minhas ilhas de Santo Antão e Santiago.

Outros artigos

Deixe um comentário

Follow Us