BOM FEELIN By Djam Neguin

BOM FEELIN By Djam Neguin

A contemplação da arte, especialmente quando envolve temas incisivos e profundos, é ensejo para autorreflexão, sobre o mundo que nos habita e como podemos nos tornar mais dignos depositários de tal legado.

Bom feelin
O Amor, no final prevalece. Amor-próprio!

Seguir s[em] direção
O universo interno, erigido sob neurais convenções plasmados na nossa génese ontológica e sociocultural, nos impele na saga de condutas nocivas ao equilíbrio e ao florescer de todas as formas de vida, em observância das peculiaridades e “lugares de dignidade”.

O universo é feminino. Também masculino. É equilíbrio. Porém, no feminino brota a célula da totalidade na sua primeva essência. O parto. Gaia. Mundo, mundos e universos embrionários. A mulher sofre pelo supremo bem da infinitude humana como género, célula viva, átomo que se movimenta pelo vazio de um caos aparente que se reinventa e se lapida a cada instante. A sua luta por um universo em expansão, nada mais é do que a procura de um centro gravitacional no palco do vácuo discursivo, sem reverências pleitear pelo significado e coerência das palavras, demagogias e intergalácticos decretos plagiados na histórica infidelidade do desequilíbrio dos géneros e do caciquismo social [dinossauros do poder].

De higienização social precisamos, e meia palavra basta para os teatrais falsos beatos da vida. As liberdades “também” têm rosto feminino.

Página por página, rasgada!
Da Sibéria de Dostoievsky aos cadernos de Bukowski vislumbramos o verdadeiro abismo em potência que existe no género humano. A nossa busca pela supremacia sobre o universo é a ingenuidade suprema enquanto não nos apercebermos de que somos o universo – se bem que stricto sensu só parte “insignificativo” dele… se nos pusermos “em bicos de pés”. E é nesse sentido caótico de despicienda arrogância que a nossa faculdade destrutiva pode ser considerada devastadora em termos de recalcamento intuitivo neste cenário de redescoberta das fragilidades humanas. Estas, expressas nos fracassos denunciados na luta pelas liberdades, isto é, pela emancipação feminina, pela desconstrução da raça como fator de desigualdade, pela observância dos direitos humanos que repõe a dignidade violada a qualquer ser humano.

A sensação de que tudo vai ruir em Djam Neguin, visão aparentemente pessimista de futuro nada mais é do que a manifestação de esperança na humanidade, um call to action através de um “recentrar” das nossas energias nas fontes originárias do universo. Os movimentos vários de libertação e de emancipação foram e continuam a ser laboratórios de um novo humanismo que o futuro pode nos negar. Seremos capazes de nos deixar elucidar pelas obviedades que atropelam os nossos sentidos diariamente via canais de comunicação, nas cidades e ruas do nosso bairro?

Esta obra é a metáfora dos nossos dias, com sinais de estarmos numa encruzilhada social, cognitiva, sensorial e existencial. Nunca houve tantas incertezas. Nunca houve um contexto de tanta pressão e de constante urgência em nos readaptarmos e nos reinventarmos como seres sociais. Nunca houve tanta velocidade impregnada nas nossas mentes, nossas tarefas, nossas relações. O tempo ficou para trás. Vencemos o tempo, sem o qual não somos. Fomos forjados como seres inexoravelmente marcados pelo tempo e o espaço, sem os quais perdemos essência. A inferência que podemos tirar disso é que caminhamos em direções equivocadas e opostas ao que nos define – a busca pela expansão do nosso universo como seres habitados pela razão e pelos sentidos.

Implícita no contexto da obra, a crítica à uma certa razão tecnológica se pode fazer pela via dos laivos de totalitarismo que o enforma, em virtude das pretensões da ciência em replicar uma espécie de alternativa ao género humano ou da elaboração de planos de fuga para outros planetas, que de per si são clarividências sobre a própria incapacidade em resolver os nossos “humanos problemas” no nosso habitat natural. Tal como Ulisses, acredito que todos os humanos prefeririam uma vida digna, com todas as suas contradições, entretanto no seu habitat natural [Planeta Terra], do que uma vida flutuando no espaço num outro planeta qualquer, impregnada de dispositivos e heteronomias regidas por algum ente tecnológico superior.

A arte é condição da nossa emancipação. Uma arte como busca incessante do nosso sentido crítico sobre a nossa vida, como odisseia por um futuro em que os nossos cérebros não sejam transformados em simples matéria de combustão para as engrenagens da tecnologia.

Acima de tudo a arte deve servir para ativarmos a tecnologia mais poderosa jamais inventada – a que nos permitiu a racionalidade. A tecnologia de viver será sempre mais difícil se nos isentarmos de pensar. A arte é e deve ser sim, capaz e pretensiosa na explicação do mundo como um todo uno e indivisível. Somos assim parte de um todo impermanente que se reorganiza e se transforma num processo ininterrupto, continuo e eterno. A arte empresta-nos a sua eternidade. A nossa procura pelo belo [o bem supremo], traduz-se numa épica travessia por estas contemporâneas angustias e processos de aprendizagem.

Djam Neguin parece vislumbrar o ser contemporâneo entrando num limbo, se abstendo de tomar a rédeas da própria vida. É certo que somos rodeados deste estimulo, da inercia e da sedução das maravilhas do universo virtual, impessoal e regidos por avatares. As máscaras modernas regidas por um futurismo sombrio, os avatares são uma réplica perfeita do que seríamos como máquinas. Se bem que duvidosa e discutível perspectiva de perfeição. O metaverso, apesar de uma caricatura, é já um “universo paralelo”, onde através de um capacete nos imergimos num cenário virtual com “todas” as caraterísticas do mundo real, onde se pode viver e estar para toda a vida. Assim se “constrói” um personagem com personalidade e identidade de acordo com os desejos e anseios de cada um. Um mundo onde só vale sentir-se feliz e realizado, onde as adversidades e os obstáculos de uma vida normal não têm lugar. Ora aí está, mais uma droga viciante no leque de outras tantas que no mundo vitima todos os dias milhares de pessoas. A fila de viciados já anda a todo o vapor.

Bom feelin
Um estado de alma objeto de desejo. Por opção, bom feeling deve ser resultado de foco e equilíbrio em práticas saudáveis, da incessante redescoberta de si e da desconstrução das narrativas obsoletas em nome de um tal de progresso doutrinário com dogmas e verdades absolutas. É a procura da quarta dimensão do ser, que não se deixa enganar pelas aparências, que se regenera como célula que é, quando em autofagia se reabilita.

Um estado de torpor. O bom feeling na ausência de problematização da vida, é um estado de liquidez existencial onde tudo vale com a finalidade de momentos de [aparente] alegria ou euforia. Mesmo que seja tudo fake. Esse estado de alma dilacera o ser humano, por ser uma espécie de dependência tóxica de um único estado de espírito, que sem os outros não necessariamente faz de nós mais felizes ou mais humanos. Humanamente humano, sem ilusões de divinas transcendências, a nossa imperfeita imanência se serve e necessita de todos os estados de alma para encontrar-se, construir-se, amar, transformar-se, evoluir.

Boa Vista, 02 de Abril de 2023

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Valdevino Bronze

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