
Sábado, 3 de Junho, 2023
Em Cabo Verde celebra-se o Dia Mundial do Teatro com a realização de espetáculos durante o mês de março e com a entrega do Prémio de Mérito Teatral que foi criado em 1999 pela Associação Mindelact. Este ano a distinguida pelo prémio será a atriz Zenaida Alfama que completa 25 anos de carreira.
Além de ser um dia dedicado à celebração das artes cénicas este dia, é para muitos artistas, um dia de reflexão. Nesses últimos meses, e devido a minha pesquisa de doutoramento que tem como foco o teatro cabo-verdiano, tenho refletido muito sobre o estado do teatro no nosso país. Neste sentido gostaria de partilhar convosco a minha reflexão.
Nesses 10 anos de trabalho em prol do teatro consegui perceber mudanças no panorama das artes cénicas em todo o país. Lembro-me que em 2012, quando iniciei o curso de Iniciação Teatral no Centro Cultural Português, lamentava-se a escassez de profissionais qualificados na área, as artes cénicas centravam-se na Ilha de São Vicente e a profissionalização do teatro em Cabo Verde não passava de uma utopia.
No Mindelo os festivais de teatro proliferaram durante algum tempo, com iniciativas das companhias Criar Arte, Soma Camba, 50 Pessoa e TPM que criaram os seus próprios festivais de teatro chegando a acontecer no Mindelo cerca de 5 festivais de teatro diferentes, entre 2014 e 2019. Atualmente, acontecem festivais internacionais de teatro nas ilhas de São Vicente, Santiago e na Ilha do Sal.
Em 2019 noticiava-se, no Mindelo, o Março Mês de Teatro com a participação de 15 grupos de teatro. É de se admirar a dinâmica teatral do país, são vários os artistas e coletivos que trabalham arduamente na dinamização do teatro em Cabo Verde sendo que os financiamentos são praticamente inexistentes.
O teatro em Cabo Verde é feito por “amor á camisola”. Durante meses, os atores, encenadores, dramaturgos e cenógrafos trabalham arduamente para apresentar os seus espetáculos sem receber nada pelo seu esforço. Muitos destes agentes culturais, movidos pela necessidade, acumulam funções são simultaneamente atores, produtores, técnicos e curadores.
A tendência é de se romantizar as dificuldades dos artistas cabo-verdiano que são encarrados como mártires. Trata-se de uma classe que não é valorizada, não existe uma entidade no país que regule a área, os agentes teatrais não conseguem ter um rendimento digno proveniente do seu ofício e é impossível viver-se de teatro num país cuja maior riqueza é a sua cultura.
É exatamente sobre a questão da profissionalização das artes cénicas que gostaria de me focar. Impulsionado pelo programa Procultura que é financiado pela União Europeia, vários jovens de Cabo Verde conseguiram concluir as suas formações académicas em áreas artísticas. A formação destes jovens poderá dar resposta a escassez de artistas qualificados no país. O que não podemos fazer é exigir que estes jovens exerçam a sua profissão na condição de mártires.
Muitos destes jovens são formados nas melhores escolas de arte de Portugal, e possuem insumos suficientes para alterar, pela positiva, o estado das artes cénicas no país.
Infelizmente, parece que ainda não se criaram condições para os acolher. Digo parece porque em Cabo Verde existem condições mais do que necessárias para empregar todos estes jovens, mas por falta de visão estratégica e sensibilidade ainda não acontece.
No país existem centros culturais geridos pelo estado e pelas câmaras municipais que poderiam facilmente enquadrar nos seus quadros estes profissionais. Nos planos de estudo das universidades em Cabo Verde constam cadeiras de áreas como artes cénicas e dramaturgia, infelizmente estas não são lecionadas por profissionais da área. A profissionalização do teatro não pode continuar a ser uma utopia quando existem no país profissionais qualificados e lacunas nas universidade e centros culturais a ser preenchidas.
No início deste texto fiz referência aos festivais organizados pelas companhias de teatro, penso que a razão que leva estas companhias, a querer montar os seus próprios festivais é a necessidade de apresentarem os seus trabalhos a outros públicos, incluindo públicos internacionais. Este dilema poderia ser resolvido se existissem, nas estruturas culturais espalhadas pelo país e nos festivais, programadores qualificados que trabalhassem em prol da divulgação das artes cénicas no país, criando circuitos internos e pontes entre artistas nacionais e festivais internacionais.
O teatro não pode continuar a ser encarrado como um hobby. Estão reunidas atualmente no país, as condições necessárias para uma mudança no panorama das artes cénicas, só falta as câmaras municipais, os centros culturais, as universidades e as estruturas do Ministério da Cultura acolherem estes profissionais como membros dos seus staffs.
A profissionalização das artes cénicas não depende dos artistas, (na verdade estes já fizeram a sua parte) depende das políticas destas instituições. Poderia aqui alistar as razões pelas quais os profissionais das artes devem ser integrados nas universidades e nas organizações estatais e municipais que gerem a cultura, mas não o farei porque julgo que os maiores argumentos a serem utilizados neste sentido é a qualidade das intervenções artísticas e a dinâmica teatral que se sente no país.a
Investigador, produtor cultural, ator, encenador, dramaturgo e ativista. Doutorando em Comunicação, Cultura e Artes pela Universidade do Algarve, Mestre em Artes Cénicas pela Universidade Nova de Lisboa e Licenciado em Marketing pelo ISCEE.