

Às vezes, os pais ficam desesperados, como qualquer pessoa. E dizem coisas que pensam que são verdade naquele momento. Mas com o tempo eles percebem que não queriam dizer aquilo.”
A adolescência é tida como uma das fases mais conturbadas da vida humana. Um momento repleto de transformações psicofísicas que sinalizam o fim da dócil infância e o desabrochar das primeiras pétalas da flor que simboliza a vida adulta. Muitos de nós, imbuídos pela fragrância da precoce primavera, na ilusão, achamos que já estamos no verão e, daí, querermos curtir o calor da vida. Só que as coisas não são assim tão triviais. A vida adulta exige a assunção de responsabilidades e um sólido preparo, que começa a ganhar importância exatamente a partir da adolescência.
Nesse aspeto, são vários os artesões que contribuem para dar forma ao ser adulto no qual transformaremos. Quais sejam, a família, a escola e a própria sociedade. No caso da família, como é óbvio, são os pais os principais atores, sendo certo que o papel deles, na preparação do filho para a vida adulta, começa na infância. Tanto o pai como a mãe têm um contributo a dar na vida de um filho, se complementando um ao outro nesse processo.
Às vezes, o amor de uma mãe pelo filho parece superar o do pai, especialmente por este poder exercer com mais intransigência a sua autoridade. Mas acredito que os dois amores não se comparam e tampouco se rivalizam. Pois, o amor de mãe vem do ventre e a conexão mãe-filho não se interrompe com o cortar do cordão umbilical. Pelo contrário, com o passar do tempo, o laço que os une tende a fortalecer-se. Já o amor de pai, na minha opinião, ganha maior visibilidade a partir do nascimento do filho e, a medida que os laços afetivos vão-se desenvolvendo entre os dois, esse amor tende a crescer.
Quem já leu o conto “O general infanciado”, do escritor moçambicano Mia Couto, sabe que até o mau feitio de um general resoluto, em pouco tempo, se deixa vencer pelo amor de um filho. Ele vai-se amolecendo a ponto de esquecer as invioláveis obrigações militares, até o dia em que atira para um canto a imaculada farda. É que no processo de moldagem da vida de um filho, tentando incuti-lo robustez e disciplina, acabamos, na maioria das vezes, por perceber os nossos próprios erros e defeitos.
Se tivermos sapiência suficiente, deixamo-nos amolecer um pouco, permitindo que pai e filho possam desfrutar de uma aprendizagem conjunta.
Chegados aqui, quero doravante falar um pouco do Gepeto e Pinóquio, na versão do conto italiano de Carlo Collodi que o cineasta mexicano Guillermo del Toro adaptou ao cinema para a Netflix.
Numa leitura fantasmagórica, ao estilo sui generis de Guillermo del Toro, no formato animação em “stop-motion”, a nova versão de Pinóquio desenrola nos anos 30, em plena Itália fascista de Mussolini.
A película começa por retratar a relação entre um pai (Gepeto) e o seu único filho (Carlo). Gepeto é um pai viúvo que tem em Carlo a sua única companhia. Carlo é um menino extremamente educado e muito acarinhado na vila. Todos o admiram e elogiam, sempre realçando o facto de Gepeto ser um excelente e dedicado pai. Depois da escola, Carlo apoia o pai nos trabalhos de montagem da imagem de Cristo, na igreja local. Gepeto não tem pressa em terminar os trabalhos, mas o padre e os fiéis anseiam pela conclusão. Ele, enquanto perfecionista, tem em conta todos os detalhes da sua obra-prima.
Um fatídico dia, após terminar os trabalhos, Gepeto e Carlo escutam um estranho barulho de aviões bombardeiros. Apressam-se para regressar para a segurança do lar. Junto à porta, Carlo se lembra da pinha que deixou esquecida dentro da igreja. Ao se dirigir para dentro, os aviões deixam cair algumas bombas sobre a vila, com uma delas a acertar a igreja. Gepeto ainda tenta ir salvar o filho. Tarde demais. Carlo morre, deixando Gepeto mergulhado numa imensa tristeza.
Na sepultura, Gepeto planta a pinha que Carlo tinha nas mãos no momento em que a bomba atingiu a igreja. Com o passar do tempo, o pinheiro nasce e vai crescendo, enquanto o sofrimento de Gepeto tende a agravar-se. Nada mais lhe agrada ou tem sentido na vida dele. No álcool, Gepeto encontra um antidoto temporário para o seu sofrimento. Até o dia em que ele já não consegue suportar mais a solidão e toma uma decisão radical: trazer Carlo de volta à vida!
Entretanto, um grilo noveleiro (Sebastian J.) tinha, finalmente, encontrado num buraco existente no pinheiro um lar onde poderia passar para o papel as suas memórias. Ele é interrompido pela fúria de Gepeto que, com um machado, derruba o pinheiro. A partir de um pedaço do tronco, Gepeto esculpe uma marioneta, feita à imagem de Carlo. Vencido pelo cansaço e pela embriaguez, decide concluir o trabalho no dia seguinte.
Ao acordar, Gepeto verifica, para sua surpresa, que a marioneta tinha ganhado vida. Pinóquio, tenta se aproximar, mas Gepeto teme-lhe. Fascinado pelo novo mundo, Pinóquio, para o desespero do seu criador, dedica-se à exploração, destruindo muitas coisas na casa. Pinóquio se acha um menino de verdade. Uma mentira que lhe faz crescer o nariz. Mas, mesmo sendo de madeira, Pinóquio tem alma de menino, contudo ele é diferente de Carlo. Ele desafia a autoridade do pai e estranha o dever de obediência que um filho deve ter perante o pai.
Não sendo aceite na comunidade, que lhe vê como um ser maligno, isso quando fora feito de madeira de pinho e pelo mesmo escultor encarregue de esculpir a imagem de Cristo que os crentes adoram na igreja, e rejeitado por Gepeto que lhe desejou para ser Carlo, Pinóquio decide se aventurar para fora da vila, acabando por ser explorado por pessoas mal-intencionadas. Tudo o que ele queria era ser Pinóquio e que o pai lhe aceitasse como tal. Quando Gepeto se apercebe que Pinóquio se foi embora e que ele lhe havia dito coisas motivadas pelo calor do momento, se desespera para trazer de volta à casa o seu menino.
Ao longo das suas aventuras, Pinóquio não esquece o pai. E este não desiste de um dia reencontrá-lo. Pai e filho vão se transformando e aprendendo com os seus erros. Quando, finalmente, se reencontram, se aceitam mutuamente, enquanto pai e filho, cada um com os seus defeitos. Nessa altura, Gepeto já não quer que Pinóquio seja Carlo ou qualquer outra pessoa. Apenas quer que ele seja exatamente quem ele é.
Somos diferentes e temos que ser aceites como tal, para que o amor nos possa unir. Todos os meninos mentem e a desobediência faz parte da vida, especialmente da nossa infância. Ser pai não é fácil. Amamos incondicionalmente os nossos filhos e procurámos sempre o melhor para eles. Tal como o barro, não podemos ser demasiadamente moles e tampouco duros demais com os nossos filhos. Por mais que o barro se queira no ponto certo, é a flexibilidade do artesão que dá forma a sua obra prima.
Por favor, vejam o filme na Netflix!
Socram d’Arievilo, março de 2023
É natural da ilha das montanhas, lugar que preenche o seu imaginário e que serve de cenário para as suas criações. Na literatura, a sua preferência recai sobre a poesia, mas também interessam-lhe os géneros contos tradicionais e ficção científica.
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