O Balai(o) das ilhas: Tecendo novas ligações de Cabo Verde para o Mundo

Tal qual um tecelão que, vagarosamente, tece finos fios de palha na construção do ninho, assim o artesão das ilhas vai interligando, minuciosamente, as finas lascas de cana de caniço. Primeiro dando forma a uma pequena “esteira” que depois as suas mãos calejadas, ma-gi-ca-men-te, moldam num pequeno balai(o).
No mundo rural, o balai(o) era (é?!) uma serventia que se encontrava em quase todas as casas. Era nele que se levava o matar de jejum aos trabalhadores que, no campo ou nas hortas, se dedicavam aos trabalhos árduos e sob o sol abrasador.
Sempre que o balai(o) ia à horta/campo, especialmente de manhã, para trás deixava um misto de cheiros da culinária das ilhas, uma fragrância que nos invadia as narinas, fazendo crescer água na boca, ao ponto de o estômago bradar de fome. Cachupa guisada, peixe frito ou carne de porco assada na frigideira, assim como um bule de café torrado, colhido nas encostas do Figueiral do Paul, Santa Isabel, Aguada de Chã de Pedras ou Agriões.
 
Na vinda, era o momento do balai(o) levar para casa os ingredientes do almoço que, mais tarde, conduziria à horta. Mandioca, batata doce, banana verde, couve e feijões. Ingredientes para a confeção de um bom caldo de peixe seco, cozido de carne de porco salgada ou mesmo uma saborosa feijoada de pé de porco salgado.
 
Aos sábados, logo pela manhãzinha, vinha o balai(o) de Matinho, Lagoa, Espadanã ou Espongeiro, no qual uma moça, de lenço amarrado à cabeça e avental preso à cintura, vendia a iguaria das zonas altas da ilha. Queijo fresco feito a partir de leite de cabra, que acompanhava o café de manhã, com doce de papaia e bolacha de soncent. 
 
Lá em casa os gatos e nós (os meninos) partilhávamos da mesma manha pelo queijo. Assim, caso achássemos um balai(o) com alguns queijos, éramos tão capazes de roer todos, em vez de comer apenas um. Creio que nós (os meninos) acabamos por imitar a estratégia dos gatos de modo que, quando o embuste fosse descoberto, a culpa lhes fosse atribuída pelos adultos. Como os ratos também roem os queijos, ainda que inocente, a culpa era quase sempre dos gatos. Coitados! Para se precaver da estratégia dos roedores, grupo no qual também éramos incluídos, os queijos eram deixados a ventilar/secar num balai(o) dependurado num gancho do teto da despensa da casa.
 
O balai(o), enquanto viajante, não só ia à horta/campo, como também, de quando em vez, fazia breves excursões até a vizinha ilha de São Vicente, para ir levar aos familiares algumas incmenda de terra: doce de papaia, queijo de cabra, ponche de mel, aguardente de cana sacarina, papaias, abacates, bananas…inhames e batatas. Ao regressar à casa, o balai(o) trazia-nos sucrinhas, bolachas, rebuçados e produtos diversos de mercearia de soncent.
 
Atualmente, na era do plástico, os cestos sintéticos que se encontram à venda em qualquer loja chinesa vêm, pouco a pouco, expulsando o balai(o) da nossa convivência diária. Também, poucos já são os artesões que ainda dominam com destreza à arte de tecer as canas de caniço. Uma pena!
 
Felizmente, nasce agora o Balai.cv para nos manter conectados uns aos outros, neste balai(o) digital, que é também uma rede virtual de pontos, unidos pela internet, para levar mantenhas das ilhas morabeza para a diáspora crioula dispersa pelo mundo. Votos de sucessos, Balai.Cv!
 

 

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Socram d Arievilo

Socram d Arievilo

É natural da ilha das montanhas, lugar que preenche o seu imaginário e que serve de cenário para as suas criações. Na literatura, a sua preferência recai sobre a poesia, mas também interessam-lhe os géneros contos tradicionais e ficção científica.

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