

A população residente na ilha, de acordo com o último Recenseamento Geral da População e Habitação (RGPH-2021) realizado pelo Instituto Nacional de Estatísticas (INE), em 2021, era de 36.950 indivíduos, o que significa que, no período 2010-2021, passaram a residir na ilha das montanhas menos 6.965 pessoas. Podemos, ainda, converter esses dados numa taxa de variação negativa de 15,9%, o que significa que, em média, a população da ilha encolheu 1,6%/ano, nesse período de 11 anos que delimita os dois RGPH. Isto, minha gente, é um sinal de alarme preocupante, todavia ignorado por muitos, em especial as autoridades nacionais.
Ao contrário da década de 40 do século passado, quando a população da ilha registou uma taxa de crescimento média anual negativa de 2,3%, em resultado da epidemia de fome de então, que causou a morte de milhares de pessoas e resultou na “fuga” de parte significativa da população para a ilha vizinha, São Vicente, e estrangeiro, entre 2000 e 2021 o fenómeno de perda de população em Santo Antão tem outras causas, as quais requerem especial atenção por parte de quem de direito.
De acordo com o RGPH-2010, a população da ilha de Santo Antão era, nessa altura, essencialmente, rural, com 2 em cada 3 dos habitantes (65,1%) a residirem fora dos centros urbanos. Contudo, em resultado do acentuado processo de despovoamento da ilha, o RGPH-2021 sinaliza uma alteração estrutural na distribuição da população residente na ilha, agora maioritariamente urbana (51,4%).
As zonas rurais, as quais podemos designar de “sustentáculo” da ilha, por ser nelas que se desenvolvem as principais atividades económicas (agricultura e pecuária) respondem pelo grosso da população que, entre 2010 e 2021, deixou de residir em Santo Antão, sendo que, também, parte da sua população está a deslocar-se para os centros urbanos locais.
Assim, no período em análise, as áreas rurais perderam, pelo menos, 10.655 pessoas, tendo, pelo seu turno, a população urbana registado um incremento de 3.690 habitantes. Isto resulta num saldo liquido negativo de 6.965 pessoas que, de forma grosseira, sem entrar em linha de conta com as dinâmicas naturais da população (nascimento e morte), poderemos atribuir aos movimentos migratórios internos e externos do país. Conclui-se, assim, que:
A maioria da população que está a retirar-se da ilha procede do meio rural, o que também está a contribuir para o aumento da população residente nas zonas urbanas, por via do fenómeno do êxodo rural.
A ilha de Santo Antão não dispõe de oportunidades profissionais para acolher as centenas de jovens que, anualmente, se formam nas universidades do país (Mindelo e Praia) e no exterior. Daí que esses se veem obrigados a fixar residência nas duas ilhas de maior dinâmica económica (Santiago e São Vicente), onde têm mais chances para encontrar um emprego na área de formação. O mesmo sucede com aqueles que não tendo oportunidade de entrar numa universidade, seja por não terem concluído o 12.º ano de escolaridade ou por falta de recursos financeiros, procuram uma oportunidade profissional também fora da ilha, seja nas já referidas duas ilhas como, principalmente, nas ilhas de vocação turística, Sal e Boa Vista.
Essas quatro ilhas são as únicas que, no período 2000-2021, registaram taxas de crescimento média da população positivas (São Vicente: 0,6%; Sal: 4,0%; Boa Vista: 5,4%; e Santiago: 0,7%), tendo Santo Antão, pelo contrário, registado um encolhimento populacional de 1,2%/ano. Portanto, não restam dúvidas que parte significativa das 10.220 pessoas que deixaram de residir em Santo Antão, entre 2000 e 2021, fixaram residência nalguma dessas quatro outras ilhas, contribuindo, assim, para o crescimento populacional dessas.
A manter-se assim, é certo que o êxodo rural e os movimentos migratórios com origem em Santo Antão levarão a decadência dessa ilha nas próximas décadas. Quando o mundo rural, meio que sustem a população residente na ilha, passar a ter um nível populacional insuficiente para fornecer mão-de-obra às atividades do setor primário, os terrenos agrícolas aráveis serão deixados ao abandono, impactando negativamente a produção agrícola e pecuária e, portanto, parte significativa da riqueza gerada em Santo Antão. Os efeitos far-se-ão sentir nos centros urbanos da própria ilha, que dependem do fornecimento de produtos frescos provenientes do interior, bem como na ilha vizinha, São Vicente, com a qual existe um movimento pendular de trocas comerciais.
O potencial turístico da ilha é a tábua de salvação que poderá inverter todo esse processo de despovoamento e empobrecimento de Santo Antão, desde que estrategicamente aproveitado. Já existe uma tendência de crescimento contínuo no número de turistas que anualmente demandam pelo destino Santo Antão, mas a oferta continua reduzida, em especial em termos de dimensão das unidades hoteleiras existentes, o que se justifica pela demora na realização de investimentos públicos tidos como estruturantes (expansão do porto e construção do aeroporto internacional) para dinamizar a economia da ilha.
Perante o enorme potencial de recursos naturais que há em Santo Antão, a tendência contínua de perda de população e reduzida (e cada vez menor) capacidade de geração de riqueza são sinais que a ilha se está a transformar-se num gigante com pés de barro.
Socram d’Arievilo, maio de 2023.
É natural da ilha das montanhas, lugar que preenche o seu imaginário e que serve de cenário para as suas criações. Na literatura, a sua preferência recai sobre a poesia, mas também interessam-lhe os géneros contos tradicionais e ficção científica.
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