O desafio de semear o milho sem mão-de-obra no campo

Estando em plena época das chuvas em Cabo Verde, é deveras importante refletir sobre a importância do milho na dieta alimentar do cabo-verdiano, a falta de mão-de-obra para trabalhar a terra e o risco de não garantir uma boa colheita de milho em Cabo Verde.

Cabo Verde, por estar localizado no Sahel, com um clima marcado por seca constante e chuva escassa, serviu de laboratório experimental de cultivos, tendo recebido do território continental o milho (Pennisetum e Sorghum), arroz, café, melancia, inhame, malagueta, feijão congo, amendoim, calabaceira, palmeira-tamareira e dendê. Da América Tropical recebemos algumas das plantas consideradas as mais importantes da nossa história, «milho americano», zea mais, feijões, batata-doce, e mandioca, entre outros, como, tomate, pimentão, ananás, papaieira, café, goiabeira, tabaco, cajueiro.

Santiago foi alvo de ensaio de vários do sorgo, arroz, trigo. A partir da introdução desta espécie de milho, o seu cultivo em Cabo Verde foi sustentado pelos escravos, utilizando métodos rudimentares que, “ainda que primárias, garantiam a continuidade e a manutenção da sua economia de subsistência.”.

Historicamente falando, a obrigatoriedade de produção nas ilhas de Cabo Verde pode ser datada de 1472, altura em que foi publicada uma Carta Régia que obrigava os moradores de Santiago a produzirem para poderem fazer trocas nos Rios da Guiné.

No processo de trabalho do campo, a mão de obra local é fundamental pois, antes do cultivo do milho, procede-se a limpeza do terreno e posteriormente, a terra “ (…) é engravidada através da virilidade da enxada do lavrador e da fecundidade das mãos e dos pés da mulher, parceira que não só prepara a semente, mas também a aconchega ao útero da terra.”.

A produção do milho em Cabo Verde acarreta um grande esforço de trabalho braçal, garantido por homens, mulheres e crianças que depois da sementeira e da queda das primeiras chuvas, já começam a preparar as enxadas para a monda/“encorua” ou “encorba”, “serviço rijo”, a remonda, etc.

Ora, em tempos de “azáguas” no arquipélago de Cabo Verde, as preocupações dos camponeses prendem-se com a quantidade de chuva que as encostas, vales e ribeiras podem suportar, a existência ou não de sementes e, a mão-de-obra para os trabalhos de lavoura.

Se as sementes podem ser garantidos por um “apoio tardio” das autoridades ligadas à agricultura e ambiente, a questão da mão-de-obra é um problema maior em todas as ilhas com vocação agrícola. De Santo Antão à Brava, os campos de cultivo clamam por intervenções urgentes, seja ao nível da preparação e limpeza, seja ao nível da proteção das encostas.

É verdade que as secas cíclicas ajudaram e muito no processo de degradação dos solos de cultivo mas, a verdade mais nua e crua é a ausência de políticas públicas voltadas para a agropecuária e o empreendimento jovem no setor.

Por exemplo, se olharmos para o mundo rural de uma ilha produtiva como a de Santo Antão, o desalento toma conta de quem viu todas as encostas, vales e achadas, trabalhadas em tempos idos. Ainda me lembro de percorre as encostas com a enxada nos ombros quando um dia de trabalho na agricultura era pago por 300$00.

Hoje, os tempos são outros e o desinvestimento e/ou não investimento no setor da agricultura, aliado à fraca capacidade de resposta das instituições para o combate às pragas, ervas invasoras, tratamento e escoamento dos excedentes de produção, tem levado a que os agricultores abandonem os campos e rumo às cidades, para viverem nas periferias em condições precárias.

Esse fenómenos do êxodo rural a cada ano tem-se massificado, pois os jovens do mundo rural, face ao abandono a que estão vetados, procuram as cidades para tentarem melhorar de vida ou, legitimamente, escolhem a emigração como alternativa.

Com todos os contratempos e a saída massiva dos jovens do meio rural, a queda das chuvas, que antes era motivo de alegria para todos os cabo-verdianos, torna-se um período de “stress” e lamento, pois muitas parcelas ficarão sem sentir a virilidade da enxada do homem do campo. Por conseguinte, a produção do milho vem-se diminuindo gradualmente, colocando em risco aquilo que é o nutriente base da alimentação nas ilhas e que em tempos figurou na Bandeira de Cabo Verde como “Nutriente da Nação”.

Ainda que persista este cenário caótico e desencorajador no setor agrícola no país, convém dizer que o milho continua tendo importância cimeira na dieta alimentar do cabo-verdiano, pelo que é fundamental que se otimizem as medidas de políticas do setor da agricultura para maximizar os cultivos e sistemas de produção, controlar e/ou erradicar as pragas que a cada ano invadem os campos de cultivo e que o escoamento seja garantido em todas as regiões do país, para que os homens e mulheres do campo possam garantir o seu sustento, alimentar as grandes cidades e retirarem o devido sustento /rendimento a partir da sua atividade produtiva.

Que as chuvas sejam em abundância e segurança e que cada cabo-verdiano possa ter a sua enxada e a virilidade para “engravidar” a terra!!!

RODRIGUES, Helena Maurício, «Tensões sócio-económicas e estratégias alimentares no espaço insular de Cabo Verde (1870-1916)», in Africana nº 4 (especial), UP/AHNCV, p. 75. VEIGA, Manuel (coord.), Cabo-Verde – Insularidade e literatura, KARTHALA, Paris, 1998, p.10.
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Adilson Dias

Adilson Dias

Gestor de Património Cultural. Natural da ilha de Santo Antão, filho da zona de Espongeiro, sou um apaixonado pela cultura cabo-verdiana e sua riqueza patrimonial. Sempre atento a realidade do meu país, tenho nos museus a minha fonte de conhecimento e de inspiração para analisar e perceber as dinâmicas socioculturais de Cabo Verde, com especial atenção às minhas ilhas de Santo Antão e Santiago.

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