O dia em que morri para a minha mãe, e o meu amor por Elas

Olá meus leitor@s. Desde que o mês de outubro começou e recebi o lembrete para a escrever a crónica mês, decidi que não escreveria sobre o Outubro Rosa, nem sobre mamas ou tetas. Senti que ainda não estou preparada para escrever com distância sobre esse tema que me é muito caro. Por isso resolvi escrever sobre o dia em que morri para minha mãe, e o meu amor por Elas: minha mãe e minha mana que a vida me deu, a Mira.
Sem querer causar ciúmes nas minhas três irmãs de sangue, a mamã e a Mira estiveram presentes em quase todos os momentos mais marcantes da minha vida. Na minha primeira menstruação, na minha primeira deceção amorosa que me deixou de rastro, na gravidez e nascimento da minha única filha, na primeira vez que fiquei desempregada, na morte do meu pai, e no dia que morri para a minha mãe.
Sim, eu morri para a minha mãe, às 17 horas do passado dia vinte de março. Morri para minha mãe, no mesmo quarto onde ela e eu dormimos a primeira noite da sua mudança para São Vicente, tinha eu somente onze meses de vida.
Horas antes de eu morrer para minha mãe, estava ao telefone a falar com a Mira e Dica, em como a minha mamã estava aflita, e como ela ficou aliviada ao reconhecer o quarto onde viveu mais de metade da sua octogenária vida, e pediu-nos (aos filhos) para a deixarmos dormir.
Na hora em que eu morria para minha mãe, ela segurava minha mão, e eu seguia com os olhos, as linhas do oxímetro, através das quais, a mamã me dizia: eu estou em paz filha, eu fico em paz, e por favor chora, mas depois segue a vida. E assim, tranquila, morri para a minha mãe.
Depois dos mais longos trinta segundos da minha vida, veio o desespero mascarado de uma calma e tranquilidade que não eram minhas, e meu pensamento foi: vou avisar a Mira.
Dedos na tecla, mensagem enviada, mensagem lida, mensagem respondida: já chego aí.
E a Mira chegou!
Eu ia a acompanhar os anjos que levavam a mamã para ser preparada para sua despedida final, e na porta de entrada a Mira materializou-se à minha frente, e naquele que é nosso abraço me refugiei e gritei, igual uma panela de pressão, toda a dor que senti e sinto até hoje.
Morri para a minha mãe há sete meses e onze dias, e quando sou assaltada pelas lembranças desse dia, o olhar da minha Mira, o abraço que me deu, os ouvidos que foi para a minha dor, é o que mais se destaca. A Mira é testemunha do Amor e da relação que tive com a Mamã, afinal já são quase quarenta anos de uma irmandade. E a Mamã foi testemunha do Amor e da relação que tenho com a Mira. As duas me amam/amaram à sua maneira, e as duas se gostaram e se acarinharam. A Mamã sempre preocupada por a Mira estar sempre “fraquinha”, a Mira sempre atenciosa com a Dona Celestina.
Vocês devem estar a perguntar do porquê de eu dizer que “morri para minha mãe” em vez de “a minha mãe morreu”. É simples, ela continua viva em mim, nas minhas lembranças, minhas memórias, minhas histórias, minhas saudades, enquanto que para ela eu já não existo, porque já não sente, já não vê nada. É por isso que o escritor Carpinejar diz que “a dor do luto é “como uma panela de pressão. Não dá para abrir a tampa de uma vez e deixar a fumaça sair. Tem que deixar a pressão/dor ir se soltando aos poucos. A dor do dia da morte pode voltar a ser igual 15 anos depois. Ela nunca passa. E você não sente saudades do outro que morreu, você sente saudades daquilo que nunca mais serás para quem morreu. Você não pensa no abraço que nunca mais vai dar na pessoa, mas sim no abraço que nunca mais vais receber. A morte do outro é a nossa inexistência”.
Tenho saudades de ser a Vera que eu era, antes de morrer para minha mãe, antes da Mira se materializar à minha frente, e ser a tábua ao qual me agarrei para não me afundar. Tenho saudades, mas sei que não voltarei a ser como eu fui, assim como a Mira já não é a Mira que era antes dos nossos olhares se cruzarem naquela porta.
Eu morri para minha mãe, mas continuo viva para a Mira, e eu a Amo e amarei para sempre. Assim como a ti também, Mamã.

Vera Figueiredo
"Patxê parloa que cresceu em São Vicente, e que fala o crioulo com sotaque de S. Antão. Relações Públicas de formação, ambientalista de coração, adora ler, e escrever é a forma que encontrou de enfrentar os demónios e os anjos que habitam em si. Deve à minha mãe o gosto pela escrita e o tom sarcástico. Escreve mais prosa do que poesia e é sempre sobre a realidade do outro entrelaçado com a sua, com doses q.b de ironia. Uma “contadora de estórias dos outros” e se não fosse Relações Públicas, seria Astronauta"
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