Quando morrem os sonhos

Há muito que ambicionava dar um outro rumo à sua vida. A súbita morte do progenitor e, posteriormente, a inesperada pandemia da covid despoletaram nela a certeza de que desejava – na verdade, precisava - abraçar uma nova vida. Sabendo que o primeiro passo para a mudança prendia-se com o não mais querer estar onde estava, tornara-se evidente que a mudança era incontornável, imprescindível, inadiável.

Num belo e quente dia de verão, partiu à aventura, atrás do recomeço pelo qual há tanto ansiava. Consigo levou duas malas, uma grande e outra mais pequena, uma mochila, um saco e um coração a abarrotar de sonhos. Nesse coração cabiam sonhos de todo o tipo: novo país, novo idioma, nova casa, novo trabalho, novos amigos, novas relações, novos amores, nova dinâmica, no fundo nova existência.

Dias após dia, semana após semana, os seus sonhos foram-se vergando à dureza da realidade, rendendo-se à força do infortúnio. Nenhum deles, nem o mais insignificante de todos, se concretizou. Pelo contrário, a ausência de sorte era de tal modo constante que os mal-sucedidos acumulavam-se a uma frequência praticamente diária. Ainda antes da partida, o universo emitira sinais, vários até. Em nome de uma vontade irrefreável, não lhe deu ouvidos, com ele teimou, a ele ousou desafiar. Precisava fazê-lo, caso contrário arrepender se ia para o resto da vida.

O que não cogitou, ainda que intimamente o intuísse, era que a última palavra não seria a sua, jamais seria. Por muito que sonhemos, almejemos, planeemos ou façamos, a concretização do que quer que seja só acontece no espaço e no tempo entendido pelo destino, ou universo como preferia chamar às forças superiores que comandam as ações humanas e determinam a sua experiência terrena. De pouco ou nada adianta insistir em algo (ainda) não validado por ele, até porque o tempo divino e o tempo humano raramente coincidem; o primeiro é infinitamente mais sábio do que o segundo, bem mais ansioso e impaciente.

Em terra estrangeira, numa geografia aninhada entre o oceano e a montanha, encontrou consolo nas tardes passadas na praia, numa comunhão íntima e recíproca com a natureza, a qual testemunhava com apreensão o seu desassossego, com pesar a sua agonia. Assistir ao sucumbir dos sonhos alheios, sem que os envolvidos nada possam fazer para impedir tal desfecho, é algo a que a mãe de todas as criaturas dificilmente consegue manter-se insensível.

Com o sol, a praia, as dunas e o oceano partilhou ela os seus mais íntimos ensejos, anseios e frustrações. Com a lua chorou a morte desses sonhos, os quais iam perecendo à vez, à mercê de cada frustração, cada insucesso, cada contrariedade.
O mar lambeu-lhe as feridas, a brisa secou-lhe as lágrimas, o sol aqueceu-lhe a alma, a natureza curou-lhe as mágoas, o tempo aliviou-lhe o sofrimento.

Despida de expectativas, despojada de ilusões e carente de sonhos – sonhos esses que a levaram a desafiar tudo e todos, a fizeram almejar vencer a maldição que pendia sobre si, fintar o azar e triunfar sozinha num país povoado de estranhos – retomou à procedência, de coração partido e alma fragmentada, sem a mais pálida ideia sobre que rumo haveria de dar à sua existência dali em diante. Sem outra opção que não fosse render-se às evidências, um passo atrás viu-se obrigada a dar, regressando à casa de partida, tal qual jogo de monopólio. Sim, muitas vezes é preciso dar um passo atrás, recuar, para poder avançar com mais vigor, mais sagacidade, mais sabedoria.

Continua…

* *

Artigo originalmente publicado no blog Ainda Solteira, em 7 de junho de 2016.

Sara Sarowsky

Sara Sarowsky

"Radicada em Lisboa, é blogger, cronista, inspiring talker, cupido profissional, organizadora de eventos e tudo o mais que a desafiar. Por gostar de ser/estar feliz, a sua escrita é recheada de humor e positividade, com uma pitada de sarcasmo pelo meio".

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