Quando tudo está bem … menos nós

Tenho dado por mim a pensar por variadas vezes como é possível tudo estar bem quando nós não estamos. Ou melhor, quando nos sentimos estranhos na vida que construímos e que à partida é a melhor que poderíamos almejar.
Imagem de Freepik

Fico a pensar se tal não se deve ao fato de que o ser humano nunca está satisfeito com o que tem e procura sempre algo mais. Ou se não será a simples “djobi sarna pa coça”.

Consigo ver o mérito de ambas as declarações acima, no entanto também consigo ver que muitas vezes a vida que temos já não nos serve, pura e simplesmente. Já não nos diz nada e até que ponto devemos nos anular para que tudo permaneça como está, para que não demos por encerrada essa fase?

A nossa vida deve ser um reflexo do que nós somos e não o contrário. Não devemos nós viver em função da vida que construímos, uma vez que o autor dela somos nós. Temos de ser nós a estar no controle. Neste caso, a criação não pode ser maior do que o criador, no sentido de silenciar e abafar o seu criador.

É verdade que o que construímos na maior parte das vezes acaba por ter uma vida própria, digamos assim, e quando damos por nós passamos a viver em função dessa construção. Trabalhamos, esforçamo-nos para a mantermos. O que pode originar em nós um sentimento de desligamento e afastamento da nossa própria vida. O que, acho, não pode ser admissível.

É complicado entender a dado ponto que a vida que construímos, ou parte dela, já perdeu sentido para nós. Isto porque ela é o resultado de muito esforço e luta e porque toda a mudança de rota implica dizer adeus a algo. Quer seja aos sonhos, projetos e expetativas quer seja às pessoas. Um adeus definitivo ou apenas uma remodelação dos papéis de cada um desses aspetos na nossa vida.

A cada dia estou mais convicta de que estamos neste mundo para o outro, acredito que nos realizamos no outro e no que acrescentamos ao outro. No entanto para que transbordemos no outro temos de estar cheios de nós. E estarmos cheios de nós obriga-nos a sermos e vivermos a nossa verdade. O nosso compromisso com o outro exige um compromisso maior connosco.

Como adultos entendemos que as nossas decisões afetam não só a nossa vida, mas também a dos que nos rodeiam, e muitas vezes provocando efeitos que nem conseguimos antever pois que não conseguimos entender o alcance de tudo o que fazemos (consciente ou inconscientemente). O que nos obriga, ou deveria obrigar, a uma análise mais exaustiva com vista a entendermos o porquê de a dado ponto nos sentirmos desligados da vida que temos.

Muitas vezes somos levados pela rotina e acabamos por não nos atentarmos àquilo que nos vai acontecendo. Às mudanças que passamos e que nos transformam em pessoas diferentes e que nos fazem sentir estranhos na nossa vida atual.

Outras vezes fazemos essa análise e por comodidade, falta de coragem ou outro motivo qualquer mantemos tudo como está, pois, a mudança acarreta um custo que não estamos dispostos a pagar. O ser humano a cada instante perante uma decisão pesa os prós e contras e decide com base naquilo que entende ser mais vantajoso (a curto, médio ou longo prazo).

Contudo, quando o que nos incomoda está relacionado com o nosso próprio ser, a manifestação da nossa personalidade e da nossa forma de vermos o mundo é quase impossível o silenciarmos indefenidamente. Pois é algo que está permanentemente connosco, ressurge em momentos que nos apanham desprevenidos e que tem a capacidade de influenciar o nosso humor. É viver constantemente em luta connosco, o que é exaustivo e tem reflexos em tudo o que fazemos ou que deixamos de fazer.

Retomando o que acima defendi, de que temos de estar cheios de nós para que o contributo à vida do outro seja valioso, acredito que o primeiro passo é sermos verdadeiros connosco, custe o que custar. Não se trata de egoísmo, de pensarmos apenas em nós, mas sim assumirmos o compromisso de que nós precisamos estar bem para que tudo esteja efetivamente bem. Não podemos ser uma boa influência na vida do outro quando a base é falsa, quando tudo não passa de uma fachada que vamos suportando por comodidade pessoal ou social.

São inúmeros os sacrifícios que suportamos e devemos suportar pelo bem comum, mas esses sacrifícios nunca poderão ser perdemos a nós mesmos, nos anularmos, nos tornarmos um espectro vivo que vive em função do que é esperado ou consideramos ser o esperado.

A vida é mais do que isso e temos de resgatar a nossa voz, a nossa liberdade em buscar incessantemente o que nos faz querer ser e fazer melhor.

 

Praia, 10 de outubro de 2023.

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Adénis Carvalho Silva

Adénis Carvalho Silva

"Filha, mãe, esposa, advogada. Amiga dos seus amigos. Leal, honesta e direta. Uma apaixonada por música, livros e pela escrita. Amante de uma boa conversa e de aprender coisas novas. Em permanente busca de novos desafios."

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