Celas de antiga prisão de São Vicente ocupadas por artesãos

A antiga prisão construída na ilha de São Vicente durante o período colonial foi ocupada por artesãos, que a transformaram em Quintal das Artes, espaço cultural onde as celas deram lugar a ateliês e turistas.
Reprodução Facebook

Em declarações à Lusa, Zacarias Santos explicou que chegou ao agora Quintal das Artes através do Carnaval de São Vicente, a maior festa popular de Cabo Verde, já que a antiga prisão costuma ser estaleiro para o grupo “Flores do Mindelo”, e de alegorias e bijuterias passou para a tapeçaria, que ali confeciona.

“Cheguei em 2016, era ajudante na oficina do Carnaval, na construção de peças, depois fazia também bijuteria, ou apareciam pessoas à procura de concerto em algum tipo de arte e eu fazia o serviço. Tive uma formação em tecelagem e tapeçaria e daí procurei logo um espaço no Quintal das Artes para fazer a minha arte”, conta Santos, de 32 anos, que encontrou numa das celas da prisão um espaço para atelier e para expor a sua arte.

Defendeu que o espaço deveria receber alguma restruturação e alargar-se para que outros artistas pudessem usufruir do património histórico.

“Deveria haver a possibilidade da criação de mais espaços para que outros artistas pudessem ocupar também. Tem pouca ocupação, tendo em conta que é um espaço enorme”, explicou.

Além das peças, Zacarias Santos garantiu que a história do edifício atrai e fascina os visitantes, assim como a dinâmica que levou a que o espaço se transformasse num centro de arte da cidade do Mindelo.

O edifício foi construído no final do século XIX, serviu de esquadra da antiga Polícia de Ordem Pública e, por algum tempo, esteve condenado ao abandonado, até que um grupo de artistas resolveu mudar o seu destino, limpando-o e dando-lhe nova roupagem.

Entre espaços de arte, já até serviu de residência para pessoas desabrigadas e atualmente recebe trabalho de artistas locais, uma escola de percussão e de confeção de instrumentos de bateria e um grupo carnavalesco.

É neste ambiente artístico que Leila Oliveira conseguiu progredir na sua costura, nos últimos nove anos. Dividiu inicialmente o espaço com uma colega, mas três anos depois tinha conquistado o seu.

“Estava à procura de um espaço no centro da cidade, porque em casa onde trabalhava, os clientes não conseguiam ir ter comigo e nem me encontrar. Já aqui é mais fácil”, frisou a jovem, acrescentando que este ponto valorizou o seu trabalho, conseguindo mais clientes.

Neste momento espera a volta da azáfama do Carnaval, que deverá acontecer no início de janeiro, para aumentar o volume de trabalho, com encomendas dos grupos.

“Para além da arte e do artesanato, trabalhamos muito com o Carnaval e daqui a pouco é época em que este quintal é muito frequentado. Já trabalhei para os grupos ‘Cruzeiros do Norte’, o ‘Vindos do Oriente’ e há três anos que tenho uma ala no ‘Samba Tropical'”, contou Leila Oliveira, que no dia a dia faz reciclagem, bonecas de pano e outras costuras criativas, ainda de fantasias carnavalescas e dos “mandingas”, grupo tradicional na região, por alturas do Carnaval.

Na antiga prisão, atual Quintal das Artes, os artesãos que o ocupam só arcam com as despesas da eletricidade, sendo que não pagam qualquer renda, partilhando entre si a sua gestão.

O espaço recebe em permanência nove ateliês e grupos, entre os quais o da costureira Maria de Fátima Delgado, que se identifica como Fatu Criolinhas e que encontrou no Quintal das Artes o seu “cantinho para trabalhar”.

“Encontrei este, que estava ‘monteado’ de lixo, fiz a devida remoção do entulho e vim para cá”, recorda.

Do Quintal das Artes consegue conquistar o seu público no centro da cidade, percorrendo as lojas, os cafés e restaurantes para vender as suas costuras e rendas.

“Aqui trabalhamos, mas depois temos que dar o nosso expediente. Saio com o meu trabalho, vou mostrar nos espaços e em certas lojas deixo algumas peças para revenderem e assim vou tirando o meu dia”, explicou.

Fatu Criolinhas garantiu que nos dias em que o Quintal das Artes recebe muitos turistas costuma trabalhar até ao domingo, para mostrar e vender seu trabalho, mas defendeu uma nova dinâmica para o espaço, desde logo para que se possa tirar mais partido do local.

“Deveria haver algo aqui que atraísse mais turismo, mais espaço para artesãos, mais atividades e um roteiro turístico que incluísse este lugar. Os turistas chegam e não têm uma referência, uma informação no lugar que conte a história do edifício”, lamentou a artesã, que além de costureira, faz bordados e canta morna nas noites mindelenses.

 

Lusa

Quanto aos preços, são variáveis, sendo que o cavaquinho usado pelos artistas de renome que pode chegar aos 100 mil escudos (906 euros), enquanto os normais são vendidos entre 20 e 40 mil escudos (181 e 362 euros).

No caso do violão, disse que a maior parte dos artistas de renome usa este instrumento vindo do estrangeiro, embora ultimamente têm constatado que os artesãos cabo-verdianos são capazes de construir e com boa qualidade.

E aproveitou para deixar um apelo às entidades públicas de Cabo Verde, para darem mais atenção aos artistas para poderem dar continuidade a artes do tipo.

“Se as entidades não estiverem de mãos dadas, dificilmente vamos encontrar muitos jovens formados nesta área”, pediu Aniceto Gomes, apontando limitações e burocracia, sobretudo na importação de matérias-primas e nas viagens.

“São tudo coisas de que as entidades governamentais têm que abrir mão a favor dos nossos artistas, pelo menos os que já chegaram nalgum nível, para os outros poderem ter força em dar continuidade porque arte em Cabo Verde é uma mais-valia”, prosseguiu, congratulando-se com a criação do cartão do artesão por parte do Ministério da Cultura. 

Lusa


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